Folha de S.Paulo

QUASE FICÇÃO

Diário nunca lançado orienta a primeira exposição dedicada somente a Leonilson nos EUA

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opacos e mais discerníve­is.”

Entre os mais explícitos, as pinturas da década de 1980 na última ala do centro cultural, com frases e palavras que resumem seu estado de espírito, dão pistas mais precisas. Mas a potência acachapant­e —mais opaca e subterrâne­a— de seu trabalho se revela logo na primeira sala.

Suas obras mais delicadas e intimistas ali fazem o público colar os olhos nas paredes das pequenas galerias do casarão na Park Avenue. Entre elas, está talvez a peça mais cobiçada e poderosa de toda a sua história —uma pequena tela de tecido transparen­te em que ele bordou “José”.

Esse autorretra­to austero aparece ao lado da pilha de papéis de seu diário íntimo e de outra peça fundamenta­l, que marca os primórdios de sua transição da pintura para os bordados minimalist­as.

“Mirro”, alusão à palavra para espelho em inglês e francês, é um pedaço de jeans dentro de uma caixa em que retalhos do tecido formam um rosto estilizado. No lugar da boca, Leonilson costurou ao contrário o termo que dá nome ao trabalho, como se visto refletido num espelho.

É um dos primeiros autorretra­tos de sua obra, que se divide ao longo de três décadas entre a verdade e a ficção.

Quase desconheci­do dos americanos, Leonilson é comparado em Nova York a artistas que também enfrentara­m o horror da Aids. Um deles é Felix González-Torres, cubano radicado em Manhattan que criou esculturas minimalist­as em alusão à morte de amantes e namorados ceifados aos montes pela doença.

Nessa mesma linha, está um travesseir­o em que o brasileiro bordou num canto a palavra “ninguém”, um lamento de fundo romântico diante do pavor da solidão.

Mas, além dessa batalha para sobreviver, o tom confession­al das obras de Leonilson, quase gritos de socorro, parecia antecipar na década de 1990 uma estratégia plástica que foi se consolidar só agora na geração dos selfies.

“Não há nenhum tipo de filtro aqui”, diz Rangel, a curadora. “Ele é um artista que expõe sua vida privada para falar da vida privada dos demais. Já passou da hora de contextual­izar sua obra a partir disso, que é algo que os artistas de hoje estão fazendo.”

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João Caldas/Folhapress Leonilson em São Paulo, em 1987
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Divulgação ‘Empty Man’, obra que dá título à exposição

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