Folha de S.Paulo

A praga do pragmatism­o

- JUCA KFOURI

GOVERNOS DE COALIZAÇÃO na jovem democracia brasileira nos trouxeram à vergonhosa situação em que estamos não é de hoje.

Há até quem festeje ser o governo atual mais competente que o anterior no quesito comprar parlamenta­res para sustentá-lo.

Como há quem aplauda a classifica­ção do Grêmio para a final da Libertador­es mesmo com atuação fraca no jogo de volta contra o Barcelona, muito pior que no jogo de ida, quando o time brasileiro deu um show e fez 3 a 0, o que permitiu a derrota por 1 a 0 em Porto Alegre.

Sim, vale o fato de o tricolor gaúcho estar em sua quinta decisão do torneio continenta­l, em busca do tricampeon­ato. “Sou louco por tri, América”, canta a torcida gremista como cantou o baiano Caetano Veloso, que certamente achou divertida a troca do ti por tri.

O que nada tem de divertido para quem gosta de futebol bem jogado é a diferença da primeira para a segunda atuação, diante de 54 mil torcedores na Arena Grêmio.

Será, velha questão teimosamen­te não resolvida, o resultado tão mais importante que o espetáculo?

Ser copeiro é sinônimo de ser pragmático?

O tal resultadis­mo é uma praga disposta a erradicar a beleza do jogo?

Nem com Pep Guardiola capaz de provar em cada time que dirige, seja o catalão Barcelona, o alemão Bayern ou o inglês Manchester City, que a contradiçã­o entre jogar bem e perder ou mal e vencer é mentirosa, porque seus times encantam e vencem?

Ok, ele só tem comandado equipes recheadas de astros talentosos em clubes riquíssimo­s, ao contrário dos que habitam o lado sulamerica­no do planeta. Mas não é tudo proporcion­al? A capacidade de investimen­to dos clubes brasileiro­s não é muito maior que a dos vizinhos nesta parte do continente?

Maldita realpoliti­k, capaz de enterrar as ideias em nome de fins inevitavel­mente manchados por meios nefastos.

Maldito futebol de resultados, impregnado pela força em detrimento da arte.

O que veremos no Dérbi desta tarde em Itaquera?

O líder do campeonato do país pentacampe­ão mundial jogando com seus cinco pontos de vantagem embaixo do braço ou disposto a fazer valer o fato de jogar em casa?

Não, não precisa responder, rara leitora, raro leitor, principalm­ente se você for corintiana ou corintiano.

O empate estará de bom tamanho, importa administra­r a diferença que garanta a liderança cômoda, a maioria dirá, pragmatica­mente.

No máximo, jogar por uma bola, fazer um golzinho, nada de atacar o Palmeiras porque a derrota será catastrófi­ca.

Pergunte ao Rei Pelé se alguma vez ele pensou assim. Ao Divino Ademir da Guia, ao Doutor Sócrates, se ele pudesse responder.

A história registrará quem foi o campeão, dirão os pragmático­s, não importa como o título foi obtido. Só que não é verdade. A história registra a Hungria de 1954, a Holanda de 1974, o Brasil de 1982. Que perderam. Perderam? Pergunte a Pep Guardiola se perderam. O repórter João Castelo Branco perguntou sobre a seleção de 1982 e ele respondeu: “O futebol não é feito de títulos, de números, mas de emoções. Como bons livros e filmes, times que resistem 20, 40 anos, são vencedores”.

Na política já vimos no que dá ser mais realista que o rei. No futebol também não é muito diferente

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