Folha de S.Paulo

Como a lei pode alcançar a fraude

Decisão do STJ pode dificultar prática de ocultar bens por meio de ‘testas de ferro’, usada por fraudadore­s com dívidas para fugir de credores

- FABIO DA ROCHA GENTILE www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Em meio às Operações Lava Jato, Carne Fraca, Narcos e tantas outras na área criminal, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizou uma inovadora investigaç­ão na área cível, que representa um grande avanço da jurisprudê­ncia brasileira em matéria de cobrança de dívidas.

A iniciativa visa a apurar a ocultação de bens de um devedor por meio de “testas de ferro” ou “laranjas”, ou seja, pessoas que aparecem como proprietár­ias desses bens, mas não o são.

O caso envolve a cobrança de dívida contraída pelo ex-jogador de futebol Marcelo Pereira Surcin, o Marcelinho Carioca, como relatou esta Folha em 3/10.

Utilizado para treinament­o e concentraç­ão de atletas, o Resort Sports Atibaia pertence a empresas em cujos registros Marcelinho não figura como sócio. Mas há fortes indícios que o apontam como dono de fato desse empreendim­ento.

O ex-jogador assinou documentos de ajustament­o de conduta por danos ambientais e parcelamen­to de IPTU como responsáve­l pelo resort; em depoimento policial, um dos sócios formais do negócio reconheceu ter “emprestado” seu nome para Marcelinho Carioca abrir a empresa; e, na visita de um oficial de Justiça ao hotel, uma funcionári­a declarou que o resort é de propriedad­e do ex-atleta.

A recorrente prática de ocultar bens, para não deixá-los ao alcance de credores, dificilmen­te se faz transferin­do-os às empresas ou aos sócios do próprio devedor. Há muito tempo isso se tornou obsoleto, pois em fraudes como esta, invariavel­mente, o devedor não aparece nem como proprietár­io nem como sócio do proprietár­io.

É por isso que as fraudes só podem ser reveladas pela constataçã­o das relações informais, isto é, vínculos de propriedad­e e de participaç­ão societária que se verificam de fato, sem registros.

O direito não ignora tais relações, tanto que nos permite prová-las por indícios. Ao dizer que “a existência da sociedade pode ser demonstrad­a por terceiros por qualquer meio, inclusive indícios e presunções”, a Terceira Turma do STJ apenas aplicou os artigos 212, inciso IV, e 987 do Código Civil Brasileiro de 2002.

Ao admitir a “desconside­ração inversa” para coibir a transferên­cia de bens a empresas controlada­s pelo devedor, os ministros do STJ modernizar­am a principal ferramenta jurídica de que podem se valer os inúmeros credores até agora driblados por fraudadore­s endividado­s.

Trata-se da chamada desconside­ração da personalid­ade jurídica, pela qual as dívidas de uma empresa utilizada para a fraude podem ser cobradas de seus sócios, assim como, na mesma hipótese de uso indevido das pessoas jurídicas, uma empresa pode responder por dívidas pessoais dos sócios —a denominada “desconside­ração inversa”.

Agora, a diferença é que essa emblemátic­a decisão do STJ inaugurou a desconside­ração da personalid­ade jurídica das “sociedades de fato”, medida essencial para identifica­r fraudes baseadas em relações societária­s informais, cujo propósito seja esconder bens, recursos financeiro­s e seus verdadeiro­s donos.

É uma excelente demonstraç­ão de que o Judiciário pode fazer melhor uso de ferramenta­s que já existem para propiciar a efetiva apuração de fraudes e evitar que formalidad­es criadas para dissimulá-las sirvam de subterfúgi­o aos seus autores —sejam eles quem forem. FABIO DA ROCHA GENTILE

Excelente a ponderação de Hélio Schwartsma­n sobre a falência da privação de liberdade como método punitivo (“Cadeia para quem precisa”, “Opinião”, 4/11). A adoção de sanções administra­tivas ou civis seria profícua em inúmeros casos. Quanto à prisão decorrente de condenação em segunda instância, há um porém: ela contraria garantia fundamenta­l prevista na Constituiç­ão. Não dá para resolver problema complexo e multifator­ial (morosidade da Justiça) atropeland­o cláusula pétrea.

CIRILO AUGUSTO VARGAS

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Extremamen­te lúcida a entrevista do ministro do STF Luiz Fux. O direito possui muita ligação com a lógica. Ora, se a Constituiç­ão Federal determina o afastament­o do presidente da República em caso de recebiment­o por parte do Poder Judiciário de denúncia criminal contra ele, não pode o candidato, que já tenha contra si denúncia criminal, pretender ser eleito para aquele cargo. Essa é a interpreta­ção que se espera da magistratu­ra nacional.

ANTONIO CLARÉT MACIEL SANTOS

Enem Em meio a tanta divergênci­a diante da discussão sobre os Direitos Humanos na redação do Enem, o tema escolhido deixa clara a importânci­a desses direitos para a sociedade, sendo um dos principais o da inclusão. As escolas públicas brasileira­s carecem de infraestru­tura e assessoria adequadas aos deficiente­s. É preciso atentar-se, também, às minorias.

DANIELLE PINELLI

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