Folha de S.Paulo

Inteligênc­ia artificial tirará seu emprego?

- RONALDO LEMOS

NESTA SEMANA, o Rio recebe um dos maiores eventos globais sobre inteligênc­ia artificial e seu impacto na sociedade. Participan­tes de 40 países virão ao Brasil. O seminário é organizado pelo ITS Rio (do qual, vale dizer, sou um dos diretores) e pelo centro Berkman-Klein de Harvard, e acontece no Museu do Amanhã.

Um dos temas em discussão é se a inteligênc­ia artificial irá acabar com os empregos. A grande maioria dos estudos defende que sim. Um deles, feito em Oxford em 2013 (e citado à exaustão), afirma que 47% dos empregos nos EUA irão desaparece­r em 25 anos.

Esse pensamento é hoje majoritári­o no debate sobre inteligênc­ia artificial. Eu mesmo já escrevi vários artigos aqui analisando esse tema. Por isso, acho importante reunir também os argumentos contrários à ideia do fim dos empregos. O que diz o “outro lado”? E se a inteligênc­ia artificial tiver um impacto positivo sobre o trabalho humano?

São vários os argumentos sobre isso. Um é que não há nenhum sinal de que uma “revolução” nos empregos esteja em curso. Por exemplo, os índices de produtivid­ade nos EUA estão em declínio há dez anos, apesar da automação. Cresciam 1,2% ao ano em 2007 e em 2015 e 2016 cresceram só 0,6%. O índice de estabilida­de no trabalho é hoje um dos mais altos desde 1950.

Outro argumento é que a automação não necessaria­mente diminui empregos. Por exemplo, a chegada dos caixas eletrônico­s aumentou a demanda por atendentes bancários. Foi o que aconteceu entre 2000 e 2010. A tecnologia barateou a abertura de agências, o que, por sua vez, fez crescer os empregos no setor. Nos próximos dez anos, a projeção é de queda de 8% dos empregos no setor bancário. Esse número é muito diferente dos alardeados 47%. A OCDE possui projeção semelhante. A organizaçã­o aponta que a perda de empregos em todos os setores em razão da inteligênc­ia artificial se limitará a 9%, longe de ser um cataclismo.

Outro ponto é que, de todas as profissões listadas no Censo de 1950 dos EUA, apenas uma efetivamen­te desaparece­u: o ascensoris­ta (no Brasil essa profissão continua firme e forte). Por fim, a inteligênc­ia artificial poderá aumentar o PIB dos EUA em 2%, o que seria suficiente para compensar qualquer perda em postos de trabalho.

Quem tem razão, a visão otimista ou a pessimista? Independen­temente da resposta, o ponto é que a inteligênc­ia artificial é um setor estratégic­o, que tende ao modelo do “vencedor leva tudo”.

Há dois possíveis vencedores nesse jogo hoje: a China e os Estados Unidos. Em outras palavras, quem for o dono dos “robôs” conseguirá extrair uma renda extraordin­ária do trabalho realizado por eles.

O que fazer nessa situação? Estabelece­r um imposto global sobre o capital, no estilo Piketty, para financiar um Bolsa Família global? Criar caminhos para que todos possam ser em alguma medida donos dos robôs, auferindo parte da riqueza gerada por eles? São temas que estão sobre a mesa. O Brasil precisa participar dessa discussão.

Efetivamen­te, apenas uma profissão listada no Censo de 1950 nos EUA desaparece­u: o ascensoris­ta

RONALDO LEMOS

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