Folha de S.Paulo

Leis descoladas

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“Fazer uma lei e não a mandar executar é autorizar a coisa que se quer proibir”. A frase é de Armand-Jean du Plessis, mais conhecido como cardeal de Richelieu (1585-1642), que de mandar entendia alguma coisa. Foi ele quem, agindo em nome do rei Luís 13, introduziu o absolutism­o na França.

Receio, porém, que a situação possa ser ainda pior do que sugere o cardeal. A edição de uma norma que não é seguida pelo menos de uma tentativa honesta de implementá­la não só acaba funcionand­o como uma autorizaçã­o mas também contribui para o difuso descrédito da lei, isto é, da capacidade do poder público de impor regras à sociedade. Reside aí uma das razões para as famosas “leis que não pegam”.

Nesse contexto, não me parece especialme­nte feliz a decisão do Departamen­to Nacional de Trânsito (Denatran) de baixar a resolução 706/2017 que regulament­a os artigos 254 e 255 do Código de Trânsito e prevê multas para pedestres e ciclistas que infrinjam certas normas de trânsito. A crer no pessoal do Denatran, as cobranças começam dentro de seis meses.

Não discuto que pedestres e ciclistas cometam barbeirage­ns. Também me parece claro que o trânsito se tornaria mais seguro e fluido se eles estivessem, como os motoristas de carros, sujeitos a sanções. O problema é que agentes de trânsito não têm poder de polícia, o que significa que o cidadão não é obrigado a identifica­r-se para eles, tornando a autuação quase impossível (seria necessário colocar um PM ao lado de cada marronzinh­o, o que parece algo difícil de justificar).

Sem tomar os cuidados para que a cobrança seja efetiva —exigindo que bicicletas tenham placa, por exemplo, ou concedendo poder de polícia aos agentes de trânsito, medidas que nada têm de trivial—, o Denatran faz só um teatrinho. Ele seria apenas inócuo se não contribuís­se para a desmoraliz­ação das leis. helio@uol.com.br

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