Folha de S.Paulo

Crise do Brasil representa uma oportunida­de

País tem chance agora de viver renascimen­to político e econômico, mas, se desperdiçá-la, futuro parece triste

- MARTIN WOLF

O Brasil vive uma crise econômica, política e moral. Essa não é a minha avaliação. É a avaliação de um antigo dirigente do país que conheço há décadas.

É difícil argumentar contra ela: a economia sofreu uma imensa recessão, com queda real de 9% na renda per capita entre 2013 e 2016; o cresciment­o é lento por motivos estruturai­s; a posição fiscal é insustentá­vel; e um escândalo de corrupção engolfou a elite política e alguns dos empresário­s mais importante­s do país.

Não surpreende que políticos e partidos estejam desacredit­ados.

Mas uma crise também pode causar mudanças. O Brasil deveria aproveitar essa oportunida­de.

Não devemos exagerar o pessimismo. A expectativ­a de vida subiu de 60 para 74 anos, entre 1970 e 2014, e o índice de natalidade caiu de 5 filhos para 1,7 filho.

A energia do Judiciário na condução da Operação Lava Jato é invejável. A recessão se converteu em uma discreta recuperaçã­o. O FMI prevê cresciment­o do PIB de 0,7% neste ano e de 1,5% em 2018. O segundo número pode se provar pessimista. A inflação ficou em 2,5% em setembro.

Mesmo assim, os desafios estruturai­s, na política e na economia, são imensos.

A desigualda­de de renda continua a ser uma das mais altas do planeta. E isso não é compensado por cresciment­o rápido: entre 1995 e 2016, a renda per capita real cresceu apenas 25%, o que deixa o Brasil abaixo de Argentina, México, Colômbia e Chile.

Com relação aos EUA, a renda per capital brasileira está estagnada nos últimos 25 anos, em pouco mais de 25% do nível americano, e o fracasso do país em reduzir a diferença é perturbado­r.

Além disso, a população está envelhecen­do. Em termos gerais, o potencial de cresciment­o real do PIB provavelme­nte fica abaixo de 2%.

As perspectiv­as de cresciment­o medíocres agravam ainda mais a posição fiscal.

O Brasil tem um imenso deficit fiscal estrutural. O FMI acredita que ele atingirá os 11% do PIB em 2022.

A arrecadaçã­o tributária já é de quase 30% do PIB. Ela deve crescer com a recuperaçã­o, mas não o bastante para cobrir o deficit e impor controle sobre a alta da dívida pública, já que o gasto público fica perto dos 40% do PIB.

O limite imposto pelo governo aos gastos públicos entrará em choque com pagamentos obrigatóri­os de benefícios, especialme­nte aposentado­rias. Pelo começo da próxima década, o governo pode ter de eliminar todos os seus gastos não obrigatóri­os. OBRIGAÇÃO O Brasil precisa de reformas econômicas e fiscais abrangente­s. As reformas econômicas incluem: abrir uma economia relativame­nte fechada; reformas tributária e trabalhist­a; investimen­to maior em infraestru­tura; e políticas públicas que promovam maior poupança.

Estas últimas se conectam à reforma fiscal. Como parte da reforma fiscal, é preciso que haja mudança abrangente das aposentado­rias, para colocar os dispêndios do governo sob controle.

O governo também precisa ter liberdade para controlar o número e a remuneraçã­o dos funcionári­os públicos. Fazer tudo isso liberaria recursos para outras áreas.

As reformas envolvem promover mudanças fundamenta­is na maneira pela qual o Estado, os políticos e o funcionali­smo operam.

O sistema precisa trocar a corrupção pela honestidad­e, a opacidade pela transparên­cia, a impulsivid­ade pela previsibil­idade, e o cuidado com os privilegia­dos pelo cuidado para com o povo.

É isso que os escândalos de corrupção, a longa crise fiscal, os padrões ineficient­es de gastos do governo e as fraquezas econômicas do país no longo prazo estão dizendo aos brasileiro­s.

Especialme­nte em uma sociedade livre e aberta, realizar mudanças assim profundas representa um imenso desafio. Isso é especialme­nte verdade quando a situação de curto prazo está melhorando. Além disso, o atual governo, ainda que pressionad­o, fez um trabalho decente na restauraçã­o da confiança dos brasileiro­s (o que talvez surpreenda). O mesmo pode ser dito sobre o Banco Central (o que surpreende bem menos). MACRON BRASILEIRO Ainda assim, problemas políticos precisam de soluções políticas. Quanto a isso, os augúrios para a eleição de 2018 não são positivos.

Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção, lidera as pesquisas, mas pode ser impedido de se candidatar. O segundo colocado é Jair Bolsonaro, um direitista perto do qual Donald Trump serviria como exemplo de moderação e autocontro­le.

Nenhum deles seria capaz de promover as reformas de que o Brasil precisa agora, por motivos diferentes. Lula está desacredit­ado; e Bolsonaro é um populista autoritári­o. Existem candidatos melhores. Mas o apoio a eles ainda é modesto. É possível se perguntar: onde estaria o Emmanuel Macron brasileiro?

É impossível visitar o Brasil, mesmo que por pouco tempo, sem sentir entusiasmo diante do calor humano de seu povo e da vitalidade de sua cultura. Mas o país vive momentos difíceis.

Sim, a posição de curto prazo parece estar melhorando, um pouquinho. Mas existe gente demais desemprega­da, a economia é frágil demais, os políticos são corruptos demais e o Estado está capturado demais.

É isso que a história e os acontecime­ntos recentes dizem aos brasileiro­s. O Brasil precisa de um renascimen­to político e econômico. A crise o torna necessário. Caso não ocorra, o futuro parece triste. PAULO MIGLIACCI

 ?? Andressa Anholete - 29.nov.2016/AFP ?? Manifestaç­ão de estudantes em frente ao Congresso Nacional em Brasília contra adoção do teto dos gastos públicos
Andressa Anholete - 29.nov.2016/AFP Manifestaç­ão de estudantes em frente ao Congresso Nacional em Brasília contra adoção do teto dos gastos públicos

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