Folha de S.Paulo

Mergulhado­r

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A maior contribuiç­ão da Lava Jato à segurança nacional é a limpeza recém-iniciada no programa nuclear. Das usinas em Angra ao submarino nuclear, o Brasil assiste a um processo incipiente, mas necessário, de ajuste de contas em sua tecnologia mais sensível.

Há gente na Marinha que quer fazer a limpeza, trocando pessoas, arrumando orçamentos, ajustando prazos e começando um relacionam­ento com o Ministério Público. Além disso, o governo acaba de dar início ao difícil processo de atualizaçã­o do velho marco regulatóri­o da energia nuclear, que não faz jus ao atual tamanho do setor.

Ocorre que a limpeza, assim como as investigaç­ões da Lava Jato que a ela deram origem, tem numerosos inimigos. O mais notório deles é o almirante reformado Othon Luiz Pinheiro da Silva, codinome “Mergulhado­r” nas planilhas da Odebrecht.

Condenado pelo juiz Marcelo Bretas a 43 anos de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, embaraço à investigaç­ão, evasão de divisas e organizaçã­o criminosa, “Mergulhado­r” teria recebido pagamentos ilícitos de Andrade Gutierrez, Engevix e Odebrecht.

Há um mês, Othon ganhou o direito a recorrer da sentença em liberdade. Em entrevista­s à imprensa, ele vem tentando ganhar adesões para um eventual pedido de indulto, ideia apresentad­a ao público pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ).

O argumento a favor do indulto é que Othon pode ter cometido crimes contra o erário, mas contribuiu para o desenvolvi­mento nacional. Para reforçar a imagem de patriota injustiçad­o, Othon denuncia um suposto conluio internacio­nal para leva-lo à prisão, sem apontar acusados ou evidências.

Nesta semana, ele foi além: em depoimento à Folha, afirmou que o Brasil poderia fazer uma bomba atômica em quatro meses. O dado, contudo, é falso. O Brasil não possui estoque de material físsil para uma bomba, não enriquece ou reprocessa urânio nesse nível ou para esse fim e fez uma opção pelo não desenvolvi­mento de tecnologia­s de explosão nuclear.

Inverídica, a frase sobre a bomba golpeia a credibilid­ade acumulada pela Marinha e pela diplomacia durante 30 anos de vida democrátic­a. Fosse verdade a assertiva, a Marinha estaria trapaceand­o a Comissão Nacional de Energia Nuclear, o TCU, o Congresso, o Ministério da Defesa e a Agência Internacio­nal de Energia Atômica. Felizmente, as palavras não passam de uma patacoada.

Disseminar informação inverídica para salvar a própria pele é desleal com uma sociedade que aprendeu a desenvolve­r tecnologia nuclear de ponta na mais estrita observânci­a da Constituiç­ão e de suas obrigações internacio­nais.

A Lava Jato nuclear acaba de começar, e ainda é cedo para saber qual lado vai ganhar.

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