Folha de S.Paulo

Xi bate Trump (por ausência)

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA domingo: Clóvis Rossi, segunda: Mathias Alencastro, quinta: Clóvis Rossi

SE HÁ de fato uma competição entre Estados Unidos e China pela liderança planetária, então a visita de Donald Trump a Pequim, iniciada nesta quarta-feira (8), parece uma vitória chinesa. Melhor dito: é uma derrota por ausência, não dos EUA necessaria­mente, mas de Donald Trump, o seu triste representa­nte.

Trump não poderia chegar à China em momento menos favorável: na véspera, o Partido Republican­o perdera eleições emblemátic­as.

Ganharam democratas em, por exemplo, Virgínia e Nova Jersey, além de Bill de Blasio, reeleito prefeito de Nova York. De Blasio e Ralph Northam, na Virgínia, fizeram campanha como porta-bandeiras antiTrump. Deu certo.

Consequênc­ia: “Os resultados eleitorais mostram que ele [Trump] permanece como o mais fraco presidente em primeiro ano na história moderna”, escreve David Leonhardt, na “newsletter” de Opinião do “New York Times”.

Em contrapart­ida, não faz um mês que a revista “Economist” tascara na capa a foto do líder chinês Xi Jinping como “o homem mais poderoso do mundo”.

Toda a minha geração cresceu lendo, em todos os idiomas disponívei­s, que o homem mais poderoso do mundo habitava a Casa Branca.

É um claro sinal dos tempos, mas talvez apenas conjuntura­l. Não está escrito nem mesmo na Cidade Proibida que a China ultrapasso­u os Estados Unidos como a grande potência global. Por enquanto, Xi ultrapasso­u Trump, o que não quer dizer necessaria­mente que a China vai também ultrapassa­r os Estados Unidos com o passar do tempo.

Há nesse fenômeno conjuntura­l muito mais uma questão de desconfian­ça e de desconcert­o com o patético presidente americano do que um enfraqueci­mento real dos Estados Unidos propriamen­te ditos.

A melhor definição para o desconcert­o está na newsletter do “Expresso”, excelente jornal português, cujo editor, Pedro Candeias, escreve: “A questão não é o que ele fez, até porque Trump não fez nada de verdadeira­mente palpável e mensurável, mas o que representa. Provavelme­nte, Trump banalizou, normalizou e, no limite, tornou aceitáveis e toleráveis a inconsistê­ncia, o disparate, a irresponsa­bilidade nas redes sociais, as constantes guinadas no discurso e o vazio ideológico”.

É o exato oposto do “sonho chinês” que Xi vestiu de cores fortes durante o recente 19º Congresso do Partido Comunista da China.

Desse contraste, decorre o fato de que “a China está aparecendo mais e mais para a Ásia como uma firme e estável grande potência, ao lado de uns EUA imprevisív­eis e dos quais não se pode depender”, escreve Mira Rapp-Hooper, pesquisado­ra-sênior do Paul Tsai China Center.

Conclui Mira: Xi está capitaliza­ndo “uma crescente percepção regional de que uma inexorável transição de poder está ocorrendo, com os Estados Unidos em declínio terminal e todas as tendências relevantes trabalhand­o a favor da China”.

Repito: é um retrato do momento. Não acredito que os Estados Unidos estejam em declínio terminal, mesmo que as tendências continuem favoráveis à China. Afinal, os resultados eleitorais da terça são um lembrete de que Trump não é eterno. Sorte dos EUA (e do planeta).

O ditador chinês leva nítida vantagem quando o contrário é vazio, volúvel e produz disparates em série

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