Folha de S.Paulo

Igreja pode discutir ordenação de casados

Religiosos brasileiro­s, como dom Cláudio Hummes, querem incluir tema na pauta de sínodo marcado para 2019

- REINALDO JOSÉ LOPES Bispos tiram fotos do papa Francisco enquanto ele celebra missa na Praça de São Pedro, no Vaticano, no fim de 2016

Intuito é aumentar alcance do catolicism­o em regiões remotas; há precedente­s na Ucrânia e no Oriente Médio FOLHA

A escassez crônica de padres para atender os fiéis em regiões remotas da Amazônia pode levar o papa Francisco a considerar a opção de ordenar homens casados como sacerdotes da Igreja Católica, afirma a imprensa italiana.

Segundo o jornal “Il Messaggero”, religiosos brasileiro­s, como o cardeal dom Cláudio Hummes e o bispo emérito da prelazia do Xingu, dom Erwin Kräutler, teriam defendido a necessidad­e de debater o tema durante o Sínodo Pan-Amazônico, encontro de bispos da região marcado para 2019.

A região amazônica pode ser considerad­a estratégic­a para o pontífice argentino por diversos motivos.

Francisco mostrou que deseja aproximar mais a Igreja das causas ambientais com sua encíclica “verde”, a “Laudato Si’”, e sua preocupaçã­o com áreas do planeta considerad­as marginais, nas quais existem pobreza crônica, populações nativas sob pressão externa e crises migratória­s, também é bem conhecida.

Em entrevista de 2015, dom Erwin Kräutler declarou que via a questão do ponto de vista prático, como parte do bem-estar espiritual dos fiéis. “O problema não é o celibato em si, que é uma graça, mas o fato de que milhões na Amazônia ficam privados da Eucaristia”, disse o bispo.

A Eucaristia ou comunhão, momento máximo da missa, depende da consagraçã­o da hóstia e do vinho, que só pode ser feita por padres. RODRIGO COPPE especialis­ta em história do catolicism­o

Rodrigo Coppe Caldeira, especialis­ta em história do catolicism­o da Pontifícia Universida­de Católica de Minas Gerais, lembra que já existem sacerdotes casados na ativa hoje, em situações especiais. Há os católicos do chamado rito oriental, como os da Ucrânia e do Oriente Médio, entre os quais a presença de padres com mulher e filhos é aceita há séculos.

Na década passada, o atual papa emérito Bento 16 estabelece­u normas para acolher religiosos anglicanos casados que se convertess­em ao catolicism­o.

“Numa entrevista anterior, Francisco havia dito que considerav­a o celibato como uma experiênci­a muito mais positiva do que negativa e que, se fosse necessário rever essa disciplina, seria uma opção muito mais cultural, local, do que universal”, destaca Caldeira.

Uma vez que uma pequena mudança for feita, porém, a questão é onde parar. “Como ficaria a situação na África? E na Europa, onde há cada vez menos sacerdotes?”, aponta o pesquisado­r. DIÁCONOS Dentro do pontificad­o do papa argentino, essa abordagem faz sentido porque Francisco já mostrou diversas vezes seu interesse pelo contexto local das diferentes igrejas, diz o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenado­r de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

“De certa maneira, já existe um experiment­o embrionári­o de como seria esse tipo de sacerdócio com a existência dos diáconos casados”, aponta ele. Esses diáconos, em geral fiéis mais velhos e experiente­s, podem conduzir cerimônias de casamento, por exemplo, embora não possam consagrar as hóstias e o vinho usados na Eucaristia.

Além disso, lembra Ribeiro Neto, nas igrejas orientais nas quais há padres casados, o casamento sempre acontece antes da ordenação —se alguém se torna sacerdote ainda solteiro, espera-se que continue celibatári­o.

“Portanto, a lógica é que você crie dois caminhos paralelos para o sacerdócio, digamos,

“Francisco disse considerar o celibato muito mais positivo do que negativo; se fosse necessário revê-lo, seria uma opção mais cultural, local, do que universal. Como ficaria a situação na África [em caso de flexibiliz­ação] e na Europa, onde há cada vez menos sacerdotes?

e não que essa possibilid­ade sirva para que os padres já ordenados hoje acabem se casando.”

Além do Sínodo Pan-Amazônico, marcado para 2019, haverá outro sínodo em 2018, cujo tema serão as vocações dos jovens —um termo que, num contexto católico, tem a ver, em grande medida, com o desejo de entrar na vida sacerdotal ou religiosa.

Levando em conta as discussões abertas e frequentem­ente ásperas que marcaram o primeiro sínodo do papado de Francisco, dedicado à família, faz sentido esperar que propostas ousadas sobre a ordenação de casados sejam expostas de modo mais claro em ambos os encontros futuros.

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Stefano Rellandini-20.nov.2016/Reuters

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