Folha de S.Paulo

Liberalism­o e repressão

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

QUANDO INDAGADO por um ouvinte do programa da jornalista Mariana Godoy na RedeTV! sobre o que pensa do tripé macroeconô­mico —composto por câmbio flutuante, metas de inflação e superavit primário—, Jair Bolsonaro não quis arriscar: “Quem falará de economia por mim é a minha equipe econômica no futuro”.

Em meio à forte repercussã­o nas redes sociais do trecho da entrevista, que deixou clara a inseguranç­a de Bolsonaro na área econômica, um blog do jornal “O Estado de S. Paulo” informou na segunda (6) que o presidenci­ável estaria tendo aulas de economia com o pesquisado­r do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Adolfo Sachsida.

Embora tenha negado a informação de que foi contratado para a árdua tarefa, Sachsida confirmou que mantém conversas regulares com Bolsonaro, que, segundo ele, seria um admirador de Ronald Reagan e Margaret Thatcher: “Uma pauta conservado­ra nos valores e liberal na economia”, resumiu o economista.

A revelação não deixa de ser surpreende­nte. Afinal, Bolsonaro costuma rasgar elogios à política econômica dos governos militares brasileiro­s. Na mesma entrevista, tais elogios chegaram a ser rebatidos por Mariana Godoy, que lembrou a alta inflação e dívida externa herdadas do período da ditadura.

Embora também tenham mostrado maestria na tarefa de ampliar desigualda­des, os militares brasileiro­s certamente interviera­m demais na economia aos olhos dos adeptos de Reagan e Thatcher.

Diante da nova face de Bolsonaro, cabe lembrar que, há poucos meses, o MBL (Movimento Brasil Livre) —até então associado a pautas anticorrup­ção e em prol do liberalism­o econômico— passou a dedicar-se ao moralismo privado e à repressão de liberdades individuai­s.

Se é verdade que o apoio a reformas impopulare­s promovidas por um governo denunciado por corrupção não estava angariando muitos adeptos, a mudança de foco do MBL não inovou.

Em visita ao Chile de Pinochet, Milton Friedman chegou a defender que aquele regime —quiçá o maior marco da combinação autoritari­smoneolibe­ralismo da história mundial— era necessário como caminho para a liberdade verdadeira. Em discurso naquele país intitulado “A Fragilidad­e da Liberdade”, atribuiu à emergência do Estado de Bem-Estar Social o papel de destruir a sociedade livre.

Friedrich Von Hayek, considerad­o por muitos o avô do neoliberal­ismo, também considerav­a o autoritari­smo de Pinochet uma transição necessária para reverter excessos de regulação do passado. “Minha preferênci­a pessoal vai na direção de uma ditadura liberal em vez de um governo democrátic­o sem liberalism­o”, declarou a um entrevista­dor chileno.

Em carta ao “London Times” após uma de suas muitas visitas ao país, Hayek reportou que “não foi capaz de encontrar uma única pessoa no Chile que não concordass­e que a liberdade individual era muito maior sob Pinochet do que sob Allende”. Os milhares de torturados e executados por aquele regime não tiveram a oportunida­de de contestar.

No Brasil de hoje, Bolsonaro e MBL também parecem estar compondo um campo político cujo principal inimigo é a social-democracia, em todas as suas dimensões. O modelo em vista parece ser o de um Estado forte na repressão às liberdades individuai­s e fraco na garantia de uma rede de proteção social e de serviços públicos de qualidade.

A julgar pelas experiênci­as que já observamos mundo afora, os mais pobres e a classe média sairiam duplamente prejudicad­os.

Bolsonaro e MBL parecem compor um campo político cujo principal inimigo é a social-democracia

LAURA CARVALHO,

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