Assessor de Doria é demitido por dificultar acesso a dados públicos
Gravação revelou atuação de membro da Comunicação sobre pedidos de diferentes jornalistas
Doria diz que ‘não há nenhuma orientação’ para dificultar o acesso a informações e exige gestão transparente
Uma gravação oficial da reunião mensal da comissão da Prefeitura de São Paulo responsável por analisar pedidos realizados por meio da Lei de Acesso à Informação revela práticas da gestão João Doria (PSDB) para dificultar o cumprimento da lei.
Em áudio de uma hora e 10 minutos, obtido pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, o então chefe de gabinete da Secretaria Especial de Comunicação, Lucas Tavares, afirma que vai “votar pra dificultar” os pedidos feitos por jornalistas.
Além de Tavares, sete outros representantes da prefeitura estavam na reunião da Comissão de Acesso à Informação. Tavares foi demitido do cargo nesta quarta-feira.
A LAI (Lei de Acesso à Informação) vale no Brasil desde 2012 e prevê a qualquer pessoa o acesso a dados nãosigilosos de órgãos públicos, sem a necessidade de explicar o motivo. A partir do pedido, a resposta deve ser dada em até 20 dias, prorrogáveis por mais 10 mediante justificativa. O cidadão ainda pode recorrer de eventual recusa.
A reunião gravada ocorreu em 16 de agosto. Nela, o en- tão chefe de gabinete da Comunicação cita os jornalistas Roberta Giacomoni, da TV Globo, William Cardoso, do jornal “Agora”, editado pelo Grupo Folha, e Luiz Fernando Toledo, de “O Estado de S. Paulo”. E diz que, “dentro do que é formal e legal, o que eu puder dificultar a vida da Roberta eu vou votar pra dificultar, sendo muito franco”.
Uma das preocupações de Tavares diz respeito a informações sobre operações tapa-buraco, solicitadas pela produtora da Globo.
“Como buraco é sempre matéria [reportagem] por motivos óbvios, a cidade parece um queijo suíço, de fato, e a gente está com problema de orçamento, porque precisaria recapear tudo, então tem matéria nisso”, disse aos integrantes da comissão, ao discutir o pedido da jornalista.
“Roberta Giacomoni, que é uma das produtoras mais chatas que existem no planeta Terra. Ela que peça para cada uma das 32 regionais”, prosseguiu Tavares, numa referência às prefeituras regionais.
Durante outra análise de pedido de informações públicas, o grupo discute um pedido de compartilhamento de determinado arquivo na internet feito por William Cardoso, do “Agora”.
Os técnicos concordam que o jornalista tem razão ao pedir que o documento não fique restrito ao local físico do órgão, mas Tavares intervém. “Ele [o órgão] tá cumprindo a lei oferecendo no local?” Um técnico diz que sim. “Vou ser mauzinho, não bonzinho. Ele que vá lá pegar. Eu não quero facilitar a vida do William. Do ponto de vista da comunicação, isso vai me dar um trabalho depois”, diz Tavares, antes de o grupo indeferir.
Nesta quarta, Doria afirmou que “não há nenhuma orientação” para dificultar o acesso a informações. “Temos que ter transparência absoluta, a liberdade de acesso a quem quer que seja a todas as informações da Prefeitura de São Paulo sem nenhum tipo de restrição”, disse.
O tucano, que postula disputar a Presidência em 2018 e para isso teria de deixar a prefeitura até o início de abril, disse que o episódio foi um equívoco de Tavares.
“Primeiro que não deveria ter falado, depois não deveria ter gravado. E esse exercício não tem a menor ressonância por parte da prefeitura e por parte do prefeito. As informações têm que ser disponibilizadas a todos indistintamente. Esse é o princípio básico de uma gestão que preza a transparência e preza a liberdade.”
Segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a reportagem “prova o que antes era apenas desconfiança: a Prefeitura de São Paulo, deliberadamente, dificulta o acesso da imprensa a informações solicitadas” via lei de acesso.
Após a publicação da reportagem, o jornal “O Estado de S. Paulo” não se manifestou sobre o caso. Já o jornal “Agora” lamentou que os pedidos feitos tenham sido tratados “sem que seja levado em conta o interesse público, com medidas que visam dificultar o acesso dos paulistanos à informação” e reforçou “seu compromisso de fiscalização do poder público e de defesa intransigente dos interesses de seus leitores”.