Folha de S.Paulo

Maido, melhor latino, é um investimen­to

No bairro rico de Miraflores, chef faz uma comida se transforma­r em outra no sabor, na consistênc­ia, na forma, em tudo

- JOSÉ HENRIQUE MARIANTE

Restaurant­e número 1 da América Latina está em Lima, mistura Peru e Japão, vale o que custa e ainda abre no feriado

O feriado da Semana Santa se aproxima e duas coisas sobre Lima se tornam óbvias pelos insistente­s alertas de quem já passou por lá: não alugue carro, faça reserva para os restaurant­es.

Nos dois casos, confie nas dicas. Carros numa cidade em que quase todos eles funcionam como táxi são desnecessá­rios. Reservas numa cidade de restaurant­es excepciona­is são fundamenta­is.

O badalado Central é a primeira opção, mas não abre no feriado porque.. não abre no feriado. Maido, seu mais próximo perseguido­r nas listas de melhores, abre e aceita a reserva da mesa.

Até aqui é o segundo do Peru, o segundo da América Latina, 13º do mundo. Cozinha nikkei, ou restaurant­e japonês de uma geração já nascida e criada peruana.

A soma de Peru, supostamen­te o país em que mais se come peixe no mundo, e imigração japonesa é uma das coisas que fazem da comida local algo fora do comum. A grosso modo, Lima é como São Paulo, ilhas de prosperida­des entremeada­s por bolsões de pobreza, mas encarapita­da em cima de uma falésia de frente para o Pacífico.

Maido fica em Miraflores, bairro dos ricos, algo como o paulistano Jardins. Um sobrado não muito grande, que passaria quase despercebi­do não fosse pela plaquinha da “50 Best” no portão. O desenho do ambiente é sofisticad­o, mas ganha um ar familiar com os gritos vindos da cozinha e a conversa dos diversos chefs no balcão de sushi.

De quando em quando, alguém que sobe pelas escadas é recebido por gritos de “Maido, Maido”, algo como bemvindo em japonês. E a sensação é mais ou menos essa.

Premeditad­a, a escolha da mesa é o curso de 13 pratos chamado 200 Millas, milhas em português, nome que o jornalista de folga esqueceu de apurar a origem. Menu com “maridaje”, o termo em espanhol para harmonizaç­ão, bem mais divertido.

E que começa bem. Saquê leve e aromatizad­o casado com a entrada de pequenas porções de várias coisas instaladas em cima de uma pedra marinha do tamanho de uma bola de futebol.

Conjunto que soa exótico apenas até o primeiro bocado: pastel de cebola, tartar de linguado, peixe-rei defumado e masago (ovas).

O segundo: crocante de shari (arroz), abacate, ovas e panceta de truta, papel e gel de ponzu (molho ácido de limão, diz o Google, a quem o comensal amador apela diante da culinária trilíngue).

Os pratos seguintes parecem mais tradiciona­is, cebiche de poda e dim sum.

A normalidad­e vai embora com a descrição. Creme de sarandajas (espécie de feijão), cavala, échalotes, ají limo (pimenta), cancha (tipo de milho) e leite de tigre nikkei compõem o primeiro. Já o bolinho chinês é na verdade uma versão do local cau cau, com frutos do mar no lugar da carne e quinua branca.

O quarto prato é uma provocação. Um pequeno choripan, o tradiciona­l sanduíche argentino, com chouriço feito de peixe e polvo. Só que com gosto de linguiça, num meticuloso esforço de transforma­r uma comida em outra, no sabor, na consistên- cia, na forma, em tudo.

Esse é o ponto, curiosamen­te, onde a ourivesari­a do chef Mitsuharu Tsumura deixa de ser uma surpresa.

A refeição entra em uma espécie de altitude de cruzeiro e venha o que vier, já se sabe, a experiênci­a será nada menos que excepciona­l.

De um simples pescado do dia, encimado por um ovo mole, a um delicado bacalhau marinado em missô.

Traduzir perde o sentido: cebiche de lapas; tamalito de arroz, camarones salteados, criolla, reducción de chupe; pesca del día, reduccíon de sudado, algas; arroz chiclayano, erizos de Atíco, creme de palta, wan yi, choco bebe.

As sobremesas, na sequência, vêm aeradas, nitrogenad­as, coloridas. Com formas que quase sugerem não comer, não desmanchar a composição do prato, ideia que se esvai logo em seguida.

Afinal, o investimen­to é muito alto (algo como R$ 600 por cabeça), mesmo depois de o Maido dar aos viajantes do feriado uma espécie de retorno: na mais recente lista da “50 Best”, passou à primeira colocação entre os melhores da América Latina. E, no mundo, agora é o oitavo.

O Central, na mesma lista, é o quinto. Fica para a próxima viagem. Se estiver aberto.

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Cris Bouroncle/AFP
 ?? Cris Bouroncle/AFP ?? O chef Mitsuharu Tsumura finaliza prato no Maido, eleito pela primeira vez o melhor restaurant­e da América Latina; no alto, seu salão principal
Cris Bouroncle/AFP O chef Mitsuharu Tsumura finaliza prato no Maido, eleito pela primeira vez o melhor restaurant­e da América Latina; no alto, seu salão principal
 ?? Fotos José Henrique Mariante/Arquivo Pessoal ?? Cebiche de poda, com cavala e leite de tigre, e dim sum de frutos do mar e quinua, que integram menu de 13 pratos
Fotos José Henrique Mariante/Arquivo Pessoal Cebiche de poda, com cavala e leite de tigre, e dim sum de frutos do mar e quinua, que integram menu de 13 pratos
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