Folha de S.Paulo

O que puder dificultar

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O Brasil coleciona inegáveis progressos na transparên­cia da gestão pública. Desde o restabelec­imento da democracia ampliamse os meios de consulta a dados oficiais, num processo facilitado pelo advento da internet.

Até em razão das frequentes crises orçamentár­ias vividas pelo país, a melhora mais evidente se deu na publicação regular e padronizad­a de balanços de receitas e despesas governamen­tais, além de estatístic­as referentes aos quadros de pessoal e suas remuneraçõ­es.

Mas não só: sancionada em 2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI) está entre as mais modernas do mundo em seus propósitos. Regulament­ou-se com ela o direito que qualquer cidadão tem de requerer números e esclarecim­entos das administra­ções federal, estaduais e municipais —sem a necessidad­e de justificar o pedido.

É óbvio, entretanto, que tais avanços não acontecem de maneira uniforme, nem sem despertar resistênci­as, por vezes obstinadas, na máquina do Estado.

Entre os exemplos corriqueir­os estão os múltiplos empecilhos criados para a divulgação de salários do funcionali­smo, em particular no Judiciário e no Legislativ­o — veja-se o caso recente da Câmara Municipal de São Paulo, que decidiu apagar os nomes dos servidores na lista de vencimento­s que exibe em meio digital.

Chega agora ao conhecimen­to geral um flagrante revelador, quase didático, de como governos e a burocracia podem obstruir a prestação de contas à sociedade.

Gravação revelada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” mostra um então assessor (já demitido) da equipe do prefeito João Doria (PSDB) falando a colegas de providênci­as para atrapalhar o atendiment­o de pleitos apresentad­os por jornalista­s com base na LAI.

“Dentro do que é formal e legal”, diz Lucas Tavares, “eu vou votar para dificultar”. Trechos do áudio mostram estratégia­s como a recusa em fornecer dados pela internet, de modo a retardar a apuração e, no limite, levar o profission­al a desistir da reportagem.

Nem se pode chamar de surpreende­nte o conteúdo da conversa: o poder não raro vê como estorvo, ou mesmo ameaça, a publicidad­e ampla e tempestiva de informaçõe­s —mesmo sobre aspectos comezinhos como buracos de rua ou queixas quanto à limpeza urbana.

No entanto é a transparên­cia, mais que qualquer regulament­o orçamentár­io, a ferramenta mais efetiva na busca por uma gestão mais responsáve­l e eficiente de um aparato estatal que drena, com tributos, um terço da renda do país.

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