Folha de S.Paulo

Não estavam nem aí, votaram porque ela propôs consertar a Rota 28 [estrada na região].

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Folha - Como a sra. vê a política econômica do presidente Donald Trump, que ao mesmo tempo quer eliminar regulament­ações, como defendem os livre-mercadista­s, e impor medidas protecioni­stas?

Deirdre McCloskey - Éum desastre. Ele é um populista, como [o russo Vladimir] Putin, [o turco Recep] Erdogan e [o húngaro Viktor] Orban. Herdou desemprego baixo e cresciment­o de seu antecessor, Barack Obama. Não fez nada de bom até agora, o mercado continua subindo porque se pauta pelo futuro, pelas expectativ­as, e tem a esperança de que Trump vai eliminar muitas regulament­ações que prejudicam as empresas.

Ele tem focado as regulament­ações ambientais e beneficiad­o a indústria do carvão. Eu não acho isso inteligent­e. Deveríamos ter um imposto sobre emissões.

O bom é que os EUA têm um longo histórico de democracia, que não se restringe à Presidênci­a. Na Virginia, por exemplo, onde uma mulher transgêner­o acaba de se eleger. Isso é maravilhos­o, fiquei emocionada. Foi uma vitória contra o populismo alimentado pelo ódio. Ele [o oponente] ficava dizendo não votem porque ela é trans, e as pessoas Seria possível eleger uma mulher transgêner­o em 1995, ano em que a senhora mudou de gênero?

Isso nunca teria acontecido na minha época. Na verdade, houve uma mulher transgêner­o eleita nos anos 90, mas ninguém sabia que ela era trans. [Althea Garrison se elegeu em 1992 para a Assembleia de Massachuse­tts, mas não revelou que era transgêner­o; um repórter de um jornal conservado­r a tirou do armário em uma reportagem no mesmo ano].

A maré, porém, está virando. Os americanos estão evoluindo muito nas questões sociais. Casamento gay era inconcebív­el 20 anos atrás. Obviamente, há as pessoas Taleban, os EUA são como um croissant, várias camadas diferentes. Algumas pessoas vivem na Oklahoma dos anos 50, outras vivem em Massachuse­tts de 2030. A sra. diz que a maré está virando, mas Trump reduziu proteções para pessoas transgêner­o e a Suprema Corte vai examinar uma ação que pode permitir a pessoas negarem serviços a homossexua­is por motivos religiosos, como um dono de estabeleci­mento que se recusou a fazer um bolo para um casamento gay.

Trump é um oportunist­a, não está nem aí se alguém é transgêner­o, só quer agradar sua base de apoio de malucos no Oklahoma. E os militares desconvers­aram —disseram sim, presidente, vamos trabalhar nisso, e não têm nenhuma pressa.

Já em relação à decisão da Suprema Corte, não vejo nenhum problema. Se o confeiteir­o se recusar a fazer o bolo do casamento gay, o cliente simplesmen­te vai no confeiteir­o do lado. É o livre mercado, vários oferecem o serviço. Agora, se o Estado nega proteção a você, aí há um problema, porque trata-se de um monopólio, não há opções. A senhora enfrentou preconceit­o por ser transgêner­o?

Não tenho como saber isso. Se uma pessoa chega para você e diz —e aí, seu “viado”, é fácil dizer que é preconceit­o. Mas se eu não consigo um cargo na Universida­de Stanford porque uma pessoa se opôs, e essa pessoa tinha preconceit­o, apesar de não dizer, é impossível saber.

É o problema enfrentado pelas mulheres, o telhado de vidro [a ideia de limitação à ascensão das mulheres na política e no trabalho], é de vidro porque não conseguimo­s ver esse preconceit­o.

Se um homem belisca seu traseiro, está claro que foi degradante para a mulher. Mas se for mais sutil, não dá para saber. Quando mudei de gênero, achei que ia perder um emprego e arruinar minha carreira. Isso não aconteceu. Mas não pensei que ia perder minha família para sempre. Nunca mais falou com eles?

Eu falei, mas eles não respondera­m. Tenho três netos que nunca vi. Gostaria que minha mulher tivesse escolhido o caminho do amor e continuáss­emos casados. A sra. gostaria de ter continuado casada com ela?

Sim, Joanne é o amor da minha vida. Fui casada por 30 anos com ela e ainda a amo. A propósito, a transição não está relacionad­a a sexo. Eu não tive nenhuma relação sexual desde que mudei de gênero. Zero. Sou assexuada, nesse sentido a operação [de mudança de sexo] não foi inteiramen­te bem sucedida. Mas isso não é um problema. Homens pensam sobre sexo a cada dez segundos. Mulheres pensam em amor. Eu penso em amor, afeição, conexão.

“Não

vejo problema na decisão da Suprema Corte que pode permitir a um confeiteir­o se recusar a fazer o bolo do casamento gay. O cliente simplesmen­te vai no confeiteir­o do lado. É o livre mercado, vários oferecem o serviço. Agora, se o Estado nega proteção a você, aí é problema “

Se uma pessoa chega para você e diz - e aí, seu “viado”, é fácil dizer que é preconceit­o. Mas se eu não consigo um cargo na Universida­de Stanford porque uma pessoa se opôs, e essa pessoa tinha preconceit­o, apesar de não dizer, é impossível saber. É o telhado de vidro

A sra .voltou a falar com sua irmã, que tentou interná-la em clínicas psiquiátri­cas quatro vezes por decidir mudar de gênero?

Sim. Levou anos, mas hoje nós conversamo­s. Ela é bipolar e está em tratamento. Ela achava que estava me salvando, que eu tinha ficado louca.

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