Justiça alemã abre brecha para 3º gênero em certidões
Tribunal determina que Parlamento do país estabeleça nova opção de registro para crianças com características de ambos os sexos
A Justiça alemã decidiu nesta semana que legisladores terão de instituir um terceiro gênero, para além do masculino e feminino, para registrar nascimentos a partir do fim de 2018.
Depois dessa data, pais poderão optar pelo terceiro gênero ao registrar crianças que tenham traços de ambos os sexos, o que é conhecido como intersexo —situação de até 1,7% da população mundial, segundo a ONU.
A Alemanha pode ser o primeiro país europeu a dar esse passo, celebrado por ativistas. Documentos oficiais já reconhecem pessoas intersexo na Austrália, na Índia, no Paquistão e no Nepal.
A organização ativista Dritte Option (terceira opção, em alemão) disse, em nota, que a decisão da Justiça “beira uma pequena revolução”.
Desde 2003 já era possível deixar o gênero em branco na certidão de nascimento.
A sentença de agora do Tribunal Federal Constitucional sugere que o gênero apareça como “intersexo” ou “diverso” nos documentos.
Caso os deputados não consigam aprovar a legislação com essa mudança, podem simplesmente eliminar dos papéis oficiais a menção ao gênero.
A decisão da Justiça se baseia na ideia de que é danoso obrigar os pais a escolher entre os gêneros masculino e feminino para registrar uma criança que tem características de ambos.
Segundo a sentença, “a atribuição de gênero é de extrema importância para a identidade individual”. O texto também diz que o gênero é central para determinar como uma pessoa se enxerga e como é vista por outros.
O tribunal lembrou que a Constituição alemã garante o direito à liberdade individual, o que inclui a proteção da identidade sexual. Assim, obrigar que alguém seja registrado como de gênero masculino ou feminino é, para a corte, medida discriminatória.
O tribunal consultou diversas organizações da sociedade civil antes de dar sua palavra final. Várias delas, como o Instituto Alemão para os Direitos Humanos, apoiaram a decisão. Grupos católicos, porém, foram contra.
O veredicto de quarta-feira (8) foi resultado da ação movida por uma pessoa nascida em 1989 que pediu a mudança de gênero em sua certidão de nascimento.
Seus documentos a registravam como mulher, mas a análise dos cromossomos indicava que tinha características de ambos os sexos.
Essa pessoa, identificada apenas como Vanja, tentou mudar seu registro para intersexo em 2014, mas as autoridades lhe disseram que a categoria não existia.
Crianças nascidas com características sexuais atípicas costumam ser vítima de dolorosas cirurgias para normalizar seu gênero, segundo um relatório das Nações Unidas citado pelo jornal americano “The New York Times”. As sequelas incluem infertilidade e severo sofrimento psicológico.
“Se eu não sou do gênero masculino ou feminino, então sou alguma outra coisa”, disse Lucie Veith à rede alemã DW sobre a sentença.
Veith representa a organização Intersexuelle Menschen (pessoas intersexuais). “Isso é algo que precisa ser incorporado ao marco legal.”