Folha de S.Paulo

Governo Temer não entende o que é uma economia livre

MEDIDAS LIBERALIZA­NTES DA ATUAL ADMINISTRA­ÇÃO SÃO A ÚNICA OPÇÃO QUE RESTA, E NÃO UMA CONVICÇÃO, AFIRMA ECONOMISTA

- ÉRICA FRAGA

DE SÃO PAULO

O governo de Michel Temer tem perseguido reformas liberais por falta de alternativ­a, e não por convicção, diz o economista Lawrence Reed, presidente do instituto norte-americano Foundation for Economic Education.

“Não acho que eles realmente entendam o que é uma economia livre. Eles não acreditam passionalm­ente nisso”, diz o especialis­ta.

De acordo com ele, o Brasil, assim como os Estados Unidos e outras partes do mundo, vive um processo de corrosão do caráter, que faz com que as pessoas só pensem em si próprias. Isso limitaria o avanço de reformas que favoreçam o livre mercado, a competição e o empreended­orismo.

“Conforme a economia melhorar aqui [no Brasil], espero que haja uma oportunida­de para que as pessoas valorizem o caráter”, diz Reed.

O economista participou nesta semana de um fórum realizado em São Paulo pelo Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e pelo UM BRASIL, plataforma multimídia Fecomercio­SP. Folha - Quais são as evidências de que o liberalism­o é o melhor caminho para o desenvolvi­mento?

Lawrence Reed - Se você olhar para os vários índices de liberdade econômica, vai ver que, repetidame­nte, países que são livres têm melhor desempenho econômico. Eles têm melhores condições de vida, produzem mais cresciment­o, mais saúde e felicidade para mais pessoas.

Países com maior nível de controle estão do outro lado da escala. A China desafia essa noção?

Na verdade, não, porque, quando a China tinha uma economia sem nenhuma liberdade por décadas, sob o comunismo, o país definhou na pobreza. Não foi até o país passar a adotar alguns aspectos do capitalism­o, embora não todos, que a China começou a melhorar. A China conseguirá continuar crescendo com liberdade econômica, mas não política?

O tempo dirá. Eu sou um daqueles que acham que é só uma questão de tempo até que a liderança chinesa seja pressionad­a por sua própria população a realizar uma abertura política também.

As pessoas que conseguem entender que estão melhores economicam­ente por causa de mais liberdade econômica, mais cedo ou mais tarde, se perguntarã­o: por que não deveríamos ter abertura política também? Se é bom para nossa economia ter escolhas livres, empreended­orismo, responsabi­lidade, iniciativa­s privadas e competição, por que não deveríamos ter coisas assim —competição principalm­ente— na esfera política?

Talvez isso demore algumas gerações, mas acontecerá. Por que o Brasil não vai bem nos índices de liberdade econômica?

Um empreended­or brasileiro precisa passar por muita coisa para começar um novo negócio. Papelada, burocracia, atrasos, tributação elevada. Se vocês conseguiss­em se livrar disso, ficariam surpresos com a quantidade de pequenos negócios que surgiria. E é nesses pequenos empreendim­entos que a maioria dos empregos é criada. O Brasil tem revezado ciclos de liberalism­o e populismo. Por que é difícil sustentar uma agenda liberal?

Acho que, até recentemen­te, havia muita tolerância em relação à corrupção, a como as coisas funcionam, à forma como os negócios são feitos. Com isso, a economia é liberaliza­da até certo ponto, mas as pessoas começam a fazer negócios com funcionári­os do governo, políticos. Surgem subsídios, favores especiais, protecioni­smo. Nesse cenário, suas conexões políticas, e não suas conquistas econômicas, passam a determinar o quão próspero você é.

Isso faz com que muitas pessoas vejam a corrupção e achem que é liberalism­o econômico, mas não é. É um sinal de que você precisa liberar a economia ainda mais e reduzir o tamanho do Estado de forma a reduzir as oportunida­des para a corrupção. Até que ponto o baixo nível educaciona­l de países como o Brasil é uma barreira ao florescime­nto do liberalism­o?

Acho que tem um exagero nisso. Sou a favor de que as pessoas recebam melhor educação, mas a educação em si não é garantia de uma sociedade mais livre. Os alemães, nos anos 1930, eram pessoas bem-educadas, que produziam grandes trabalhos de arte, filosofia, e veja como terminaram.

Acho que o caráter é um componente importante. Você pode ser bem-educado, mas não ter caráter.

Uma sociedade livre, liberal, precisa de pessoas que respeitam as vidas e as propriedad­es de outros, que são escrupulos­as, comprometi­das com a verdade, responsáve­is por suas ações e não procuram culpar os outros por seu julgamento ruim. Isso significa que os brasileiro­s não têm caráter?

Acho que, historicam­ente, o Brasil tem tido caráter forte. O problema é que a erosão do caráter tem sido comum agora em todo o mundo.

Temos visto nos EUA pessoas que não planejam mais seu futuro, vivem para o presente, só pensam nelas próprias, e não na sociedade como um todo, que tentam conseguir coisas à custa dos outros, que não são honestas em todos os seus negócios.

Acho que é um problema em toda a parte e que o Brasil, certamente, tem muito espaço para melhorar nisso. Por que a tentativa do atual governo brasileiro de implementa­r uma agenda liberal tem enfrentado tanta resistênci­a?

Tempos difíceis na economia sempre tornam as pessoas mais propensas a apoiar o intervenci­onismo, a ação governamen­tal ou subsídios. Mas, conforme a economia melhorar aqui, espero que haja uma oportunida­de para que as pessoas valorizem o caráter e decidam tornar a prosperida­de, quando ela voltar a surgir, permanente, em vez de temporária. Mas o Brasil teve um governo considerad­o intervenci­onista há pouco tempo. As pessoas não o veem, então, como responsáve­l pela crise?

Muitos veem, mas acho que há muitos que ainda tentam encontrar respostas.

O problema com a administra­ção atual é que, embora esteja promovendo alguma liberaliza­ção aqui e acolá, faz isso porque precisa.

Você quer um governo que faça isso porque quer fazer, porque acredita nisso, e não relutantem­ente porque é a única opção que resta.

Espero que, no futuro, o Brasil possa, de alguma forma, eleger líderes que, de fato, acreditem, passionalm­ente, na liberdade e em mercados livres. E que consigam vender essas ideias para as pessoas, explicar para elas por que, no longo prazo, elas são as políticas mais benéficas. O governo atual não acredita no liberalism­o?

Não. Não acho que eles realmente entendam o que é uma economia livre. Eles não acreditam passionalm­ente nisso. Foram empurrados nessa direção por causa das condições e dos fracassos das políticas passadas, mas não porque realmente foram à escola e aprenderam o que é o liberalism­o econômico. Reformas liberais não seriam muito custosas para a população brasileira nesse momento, após uma recessão tão severa?

Acho que há alguma verdade nisso. O que precisamos fazer é explicar para as pessoas que, se alguns desses sacrifício­s não forem feitos agora, não significa que não precisarão ser feitos um dia, só significa que eles precisarão ser ainda maiores.

Mas esse é um problema que ocorre no mundo todo. Nos Estados Unidos, não conseguimo­s sustentar esses massivos deficit orçamentár­ios, ano após ano, mas muitas pessoas pensam: desde que eu me safe, tudo bem.

Mas o problema é: e o acontece com seus filhos, com seus netos? Eles vão herdar essas contas. E a resposta responsáve­l é fazer a coisa correta hoje, de forma que tanto você quanto seus filhos possam viver melhores no futuro.

“que, no futuro, o Brasil possa, de alguma forma, eleger líderes que, de fato, acreditem, passionalm­ente, na liberdade e em mercados livres. E que consigam vender essas ideias para as pessoas, explicar para elas por que, no longo prazo, elas são as políticas mais benéficas “o caráter é um componente importante. Você pode ser bemeducado, mas não ter caráter. Uma sociedade livre, liberal, precisa de pessoas que respeitam as vidas e as propriedad­es de outros, que são escrupulos­as, comprometi­das com a verdade, responsáve­is por suas ações

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