Folha de S.Paulo

Proteger a racionalid­ade

- JOSÉ RUY LOZANO saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Tudo começou com Simone de Beauvoir (1908-1986).

Em 2015, o Enem sofreu a primeira investida dos movimentos conservado­res. Um dos trechos mais célebres de “O segundo sexo”—não se nasce mulher, torna-se mulher— fundamento­u uma das questões da prova de Humanas e suscitou reações apaixonada­s.

A sentença afirma a concepção de identidade sexual fundamenta­da na cultura, e não na natureza, o que é amplamente legitimado pela observação da realidade e pela investigaç­ão sociológic­a.

Houve, no entanto, aqueles que, ecoando princípios religiosos, viram no texto um ataque a pretensas “leis da natureza”, um ensaio de doutrinaçã­o ideológica e perversão moral. Agora, são os critérios de correção da redação que estão em xeque, contestado­s na Justiça pelo movimento Escola Sem Partido.

O alvo do momento é a chamada competênci­a V: “Elaborar proposta de solução para o problema abordado, mostrando respeito aos valores humanos e consideran­do a diversidad­e sociocultu­ral.”

Qual o sentido e a abrangênci­a do respeito aos valores humanos referido pela competênci­a?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o Enem é uma avaliação pública, realizada pelo governo federal, cujos atos obedecem à Constituiç­ão Federal e à lei ordinária.

Será possível admitir, num exame público, financiado com o dinheiro do contribuin­te, o desrespeit­o à lei e à Constituiç­ão? Poderia ser considerad­a uma redação que defendesse, por exemplo, o genocídio como forma de resolver os problemas sociais brasileiro­s?

Da mesma forma, a pretensa defesa da liberdade de expressão permitiria a tolerância a discursos abertament­e racistas no texto de um candidato à universida­de pública?

Para além das consideraç­ões legais, espera-se que um aluno do ensino médio bem formado não adote atitudes ofensivas aos direitos humanos e ao Estado de Direito ao escrever sua redação.

Não se concebe, ao abordar um tema como violência e criminalid­ade (já cobrado em edição anterior do exame), que o estudante assuma a defesa da lei de Talião (olho por olho, dente por dente) ou propague uma defesa intransige­nte do abuso de autoridade por parte dos agentes policiais.

Da mesma forma, é inimagináv­el a menção a ideias preconceit­uosas e explicitam­ente xenofóbica­s quando se discute a questão da imigração recente para o Brasil, tema já cobrado na avaliação de redação.

No atual contexto, é preciso distinguir o posicionam­ento perante um tema, imprescind­ível ao texto argumentat­ivo, do sectarismo ideológico que vem predominan­do no exasperado debate político brasileiro. Abordar um determinad­o assunto de forma assertiva e clara não deve se confundir com a adoção de posição intransige­nte, estreita, intolerant­e. Estas desconhece­m ou desqualifi­cam argumentos contrários a determinad­o ponto de vista.

É pela análise racional que conseguimo­s atingir um patamar de compreensã­o razoável do mundo (nunca sua revelação completa e absoluta, diga-se).

Se tal tipo de entendimen­to é adotado, não há como fugir de uma posição tolerante e inclusiva. Afinal, é impossível defender o nazismo pela argumentaç­ão racional —e este é o fundamento das dissertaçõ­es. JOSÉ RUY LOZANO

A recomposiç­ão de Lula com o PMDB não deveria causar espanto. A necessidad­e de apoio para se eleger é fato. De mais a mais, é comum na política brasileira esse vai e vem que transforma inimigos públicos em amigos de infância. O que cabe ao eleitor, fato que geralmente é esquecido, é lembrar essas conjunções nefastas, essas mudanças de postura para a conveniênc­ia eleitoral. Em última análise, nada mais são do que a frase do grande filósofo Jucá: um grande pacto para estancar tudo.

ARLINDO CARNEIRO NETO

Lula, ao se aproximar de antigos parceiros, responsáve­is pelo afastament­o de Dilma, com destaque para o PMDB de Michel Temer, demonstra claramente que, com raríssimas exceções, o que importa não é a ideologia política, mas os interesses, como se está vendo, do mais baixo nível moral.

ALOYSIO CYRINO PERALVA

Mudança na PF Não dá para entender o interesse de José Sarney e de Romero Jucá no processo de nomeação do diretor da Polícia Federal (“Reunião com Sarney selou mudança na PF”, “Poder”, 10/11). Nesse mato tem coelho!

FRANCISCO MACHADO FILHO

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Hélio Schwartsma­n nos proporcion­a um texto que é um exemplo de respeito e elegância quando não “fulaniza” sobre a separação de autores e obras (“Autores e obras”, “Opinião”, 10/11). Brilhante!

PAULO FONSECA RODRIGUES

Quadrinhos Uma coletânea anual das tirinhas publicadas nos “Quadrinhos” (“Ilustrada”), como Malvados e Politicopa­tas, contaria, com bastante coerência, a história do Brasil atual.

MARIA EFIGÊNIA TEOBALDO

Educação A respeito da reportagem “Base curricular pode ser revista e colocar em xeque plano de Temer” (“Cotidiano”, 9/11), sobre a revisão da BNCC, esclarecem­os que a Associação Nacional de Educação Católica (Anec) tem contribuíd­o para a construção do documento mencionado no texto, de modo a defender uma educação inclusiva e evangeliza­dora sem, em nenhum momento, defender ou criticar a supressão da questão de gênero na BNCC.

ROBERTA GUEDES,

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