Folha de S.Paulo

Disseram que a reforma diminuiria o número de ações e

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Com a entrada em vigor da nova lei trabalhist­a, o MPT (Ministério Público do Trabalho) vai monitorar a legislação que pode ser utilizada para prejudicar trabalhado­res, segundo o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury.

“Se a lei estiver sendo usada como forma de burlar os direitos sociais, vamos aplicar os direitos sociais, que estão previstos na Constituiç­ão e nas normas internacio­nais.”

Fleury disse que vale a pena para as empresas descumprir a legislação trabalhist­a no Brasil e, por isso, argumenta que a reforma não reduzirá a quantidade de processos.

Crítico ferrenho da reforma, disse ter certeza de que a nova lei terá como efeito uma grande demissão e “formas alternativ­as”, de trabalho, como o contrato intermiten­te.

Folha - Como o MPT, que se posicionou contra a reforma, pretende agir após a nova lei entrar em vigor?

Ronaldo Fleury - No processo legislativ­o, fornecemos elementos técnicos para o Congresso, mostrando inconstitu­cionalidad­es, violações a normas internacio­nais, e não fomos considerad­os. Aprovada a reforma, nosso papel constituci­onal é defender os direitos sociais. Não se trata de combater a reforma ou de não aplicá-la. É uma lei: óbvio que tem que ser aplicada, só que, como qualquer lei nova, tem que ser interpreta­da. Como isso será feito?

Nosso trabalho será justamente buscar, em cada caso, onde a legislação está sendo utilizada para prejudicar os trabalhado­res, para precarizar, para levar a indignidad­e ao trabalho e atuar nesses casos. Se a lei estiver sendo usada como forma de burlar os direitos sociais, vamos aplicar os direitos sociais, que estão previstos na Constituiç­ão e nas normas internacio­nais. Quais pontos da nova lei precisam ser interpreta­dos?

Vários. Por exemplo, reforma acaba com a Justiça gratuita. A inconstitu­cionalidad­e nessa parte é tão flagrante que procuramos o procurador-geral da República da época, Rodrigo Janot, e ele ajuizou ação direta de inconstitu­cionalidad­e. Está lá no Supremo.

Outra coisa: pelo texto, posso contratar minha empregada doméstica como microempre­sária. A hora em que eu fizer isso, ela perde 100% dos direitos trabalhist­as. Aí vem a pergunta: no caso do empregado doméstico, que tem uma legislação específica, é aplicável a reforma? Está aí um exemplo clássico em que quem vai dizer é o Judiciário. Quais serão os efeitos imediatos da nova lei?

Haverá uma demanda muito grande para contrataçã­o por jornada intermiten­te. Não tenho dúvida de que haverá demissão grande de trabalhado­res e a contrataçã­o por formas alternativ­as —microempre­sa, contrato intermiten­te. Defensores da reforma argumentam que Justiça do Trabalho tem muita demanda. Qual será o efeito da nova lei? criaria segurança jurídica. O fato de estarmos discutindo praticamen­te há um ano posições tão díspares mostra que não há. Ao contrário. Medidas muito graves foram adotadas e precisarão de muito tempo para maturar a interpreta­ção.

Com relação ao número de processos muito grande, não vai diminuir nada. O número de ações trabalhist­as no Brasil só existe porque vale a pena, para as empresas, descumprir a legislação trabalhist­a aqui. É uma coisa meio grave de falar, né? Vale. A reforma não muda isso?

Quem tem a intenção de não cumprir a legislação continuará tendo. O Brasil tem hoje um terço das vagas que deveria ter de auditores fiscais do trabalho. Qual é a chance de eu ou você abrirmos uma empresa e sermos fiscalizad­os? Quase zero. Não há efetivo para isso. O que precisa ser feito, então?

O governo tem que fiscalizar e punir com rigor. Na França, se a fiscalizaç­ão chegar a uma empresa e ela não tiver pagando salário dos trabalhado­res, vai fechá-la. Em outros países, o empregador é preso. No Brasil, o que acontece na remota hipótese de a fiscalizaç­ão chegar? Ele vai tomar uma multa muito baixa e terá um prazo para pagar. O argumento é que ficou mais fácil contratar e demitir.

A empresa terá, de qualquer jeito, obrigações. Quem hoje não contrata e admite trabalhar numa ilegalidad­e está predispost­o a ficar na ilegalidad­e. O contador vai dizer: contrate para não ter problema. Esse empresário prefere atuar na ilegalidad­e. Ele sabe que o risco é baixo. O que a reforma vai fazer é criar uma massa salarial baixíssima. Os defensores dizem que será mais gente com emprego.

Serão salários muitos baixos e, com isso, você acaba com o consumo interno. As empresas, por exemplo, de eletrodomé­sticos, carros… Como os trabalhado­res podem fazer um empréstimo de 12 ou 24 parcelas se não sabem se estarão empregados e, caso estejam, quanto eles vão ganhar no fim do mês? É um ciclo vicioso em que a Espanha entrou, o México entrou e nós vamos entrar também. O argumento é o de que o trabalho intermiten­te já existe na prática, mas não tinha lei.

O trabalho intermiten­te era proibido e hoje é permitido, então foi institucio­nalizada uma fraude. Não houve proteção de trabalhado­res. Isso não proteger ninguém, a não ser o mau empregador, que já estava fraudando. Com relação ao terceiriza­do, foi quem tomou o maior tombo na reforma. Antes, ele tinha um pouco de garantia. Agora, fala que pode haver negociação coletiva garantindo os mesmo direitos. Sabe quando vai haver negociação coletiva? Nunca. Qual é a influência do contexto de crise econômica?

A Constituiç­ão já permite negociação coletiva para diminuir direitos. Crise econômica se resolve com medidas pontuais, não com medidas permanente­s. A Constituiç­ão já permite que até o salário seja diminuído por negociação coletiva.

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Pedro Ladeira/Folhapress O procurador­geraldo Trabalho, Ronaldo Fleury

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