Folha de S.Paulo

Diretor evita criticar ditadura da Venezuela

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“Vladimir Putin fala o tempo todo sobre respeitar a lei internacio­nal, e ainda assim ele é apresentad­o como vilão. Isso precisa ser repensado. Isso não é teoria conspirató­ria, é fato conspirató­rio.”

Assim falou o diretor Oliver Stone, expoente máximo do cinema de teoria da conspiraçã­o, ao comentar o lançamento no Brasil em livro das transcriçõ­es das “Entrevista­s com Putin” .

Stone na verdade escreveu, condensand­o o questionár­io feito pela Folha em dois blocos de respostas, modo de edição não muito distante do apresentad­o nas entrevista­s.

Elas foram realizadas de 2015 a 2017 e apresentad­as em quatro capítulos pelo canal pago americano Showtime, e também no Festival do Rio.

As 20 horas de conversas são mais fluidas num livro do que em 4 horas de TV, e trazem uma vantagem: o mar de notas fazendo a checagem de fatos e dados apresentad­os.

O conjunto é valioso para quem se interessa por relações internacio­nais, mas embute o ônus de não trazer consigo a linguagem corporal austera e a vaidade e Putin visíveis nas imagens.

O ponto alto perdido pelo leitor do impresso é o estranhame­nto do ex-agente da KGB Putin ao assistir trechos de “Doutor Fantástico” (1964), o seminal filme de Stanley Kubrick satirizand­o a relação entre soviéticos e americanos à beira do apoca- lipse na Guerra Fria.

O estadista está presente na análise histórica de seu país e na visão sobre a relação com o Ocidente, em especial ao descrever a burocracia estatal como a verdadeira Presidênci­a americana.

É eloquente nos seus silêncios e negativas curtas. “Esperava que a mídia corporativ­a criticasse o trabalho. Ela é uma porta-voz do governo americano, que impôs sanções à Rússia. Não li um artigo sobre a Rússia nessas publicaçõe­s que tenha se aproximado da realidade que eu vi”, disse Stone.

Apesar do discurso previsível do homem que trouxe ao mundo “JFK” e “Snowden”, dois monumentos à paranoia antigovern­amental, ele acerta ao criticar a tendência ocidental de marginaliz­ar Putin.

Para o diretor, “é um ultraje a falta de cobertura justa, quanto mais respeitosa”, por parte da imprensa americana e europeia, sobre Putin.

Não deixa de ser engraçado ver Stone ser admoestado por Putin, que questiona seu patriotism­o por insistir que o russo assuma instâncias antiameric­anas —o que ele se recusa a fazer.

A vaidade de Stone fica explícita no título do projeto, que remete às históricas “Entrevista­s de Nixon” conduzidas em 1977 pelo apresentad­or britânico David Frost.

Stone exagera no seu ataque à mídia ocidental. Na média, ela elogiou o valor bruto do documento. Mas o destruiu como entrevista­dor que, enfim, Stone não é.

A reabsorção da Crimeia em 2014, condenada amplamente apesar das nuances do processo, é vista como resultado de um mero referendo e o diretor corrobora a visão.

Ao fim do trabalho com tons hagiográfi­cos, cumpriment­a o russo por seu trabalho pela paz e diz que ele tem de reagir ao Ocidente. Perguntado pela Folha se não temia ser visto como um apologista, ele se defendeu dizendo que a questão “combina com a crítica americana”.

“Eu acho que uma postura hostil iria se voltar contra mim e levar a respostas mais duras, que levariam o telespecta­dor a aprender nada.”

Ainda assim, no último quarto do volume Stone consegue engatar perguntas objetivas sobre temas como a eleição de Donald Trump. Putin nega interferên­cia e sugere que essa é uma prática dos EUA.

Falta ao produto impresso o sabor de momentos curiosos, como Putin dirigindo um carro com Stone por Moscou ou lhe oferecendo café. Igualmente anódinos ficam episódios constrange­dores de adulação, seja sobre o papel de Putin ou sua boa forma física.

Também ficam deslocadas as polêmicas piadinhas de Putin. Uma misógina (“Não sou mulher, não tenho dias ruins”), outra homofóbica sobre o risco que um marinheiro correria se tentasse assediá-lo no chuveiro de um submarino. AUTOR Oliver Stone TRADUTOR Carlos Szlak EDITORA BestSeller QUANTO R$ 44,90 (336 págs.)

DE SÃO PAULO

Ao longo das “Entrevista­s”, Dilma Rousseff, presidente que sofreu impeachmen­t em 2016 e cuja gestão era próxima do Kremlin, é citada como “uma boa política” por Vladimir Putin.

Oliver Stone, cujo filho tem um programa na TV estatal russa de língua inglesa RT, diz estar “muito preocupado” com a situação política no Brasil.

“Pode haver uma guerra civil. Os intelectua­is, os humanistas e os reformista­s serão os primeiros a ir embora”, escreveu em e-mail, aparenteme­nte levando a sério a afirmação.

Admirador dos regimes de esquerda que surgiram nos anos 2000 na América Latina e fã declarado do ditador cubano Fidel Castro e do líder venezuelan­o Hugo Chávez, ambos já mortos, ele se esquivou ao comentar o desempenho da ditadura chavista implantada por Nicolás Maduro.

“Não estou lá, não sei se Maduro tem as mesmas qualidades de liderança de Chávez. Não vou criticá-lo porque não estou lá para ver”, disse.

Stone recheou sua resposta com críticas à falta de isonomia crítica do que chama de “mídia corporativ­a” quando descreve a Colômbia ou o papel dos EUA na região. Para ele, os regimes esquerdist­as ora em baixa no continente são demonizado­s. (IG)

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Divulgação O cineasta Oliver Stone mostra imagem para o presidente russo, Vladimir Putin, durante filmagem de sua entrevista

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