Folha de S.Paulo

Naquele julgamento.

- Mais pró-Moro Menos pró-Moro

FOLHA

Na ciência política americana, é comum o uso de modelos espaciais. Estes se baseiam em um histórico de votações e criam um “mapa” dos votantes.

Sintetizam­ainformaçã­ode dezenas ou centenas de votações em um único gráfico.

Nestes gráficos, são estimados pontos ideais que representa­m cada membro de um colegiado (um parlamenta­r, um juiz) e que permitem reproduzir divergênci­as ocorridas no passado. Em muitos Legislativ­os um resultado é a visualizaç­ão de como parlamenta­res se dividem no espectro esquerda-direita.

Esta metodologi­a pode ser aplicada também no Judiciário, para mapear as divergênci­as entre juízes.

É possível, por exemplo, fazer este exercício para os desembarga­dores da 8ª Turma doTribunal­deRegional­Federal da 4ª Região (TRF-4), responsáve­l por revisar as decisões da Lava Jato do juiz Sergio Moro —como a relativa à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O gráfico resultado do modelo espacial apresenta a dispersão entre desembarga­dores de acordo com as dezenas de divergênci­as ocorridas em julgamento­s em um determinad­o período. Cada desembarga­dor recebe um ponto no espaço (um círculo variando de -1 a 1 nos eixos horizontal e vertical).

Entre as infinitas possibilid­ades de alocar estes pontos no espaço, o estimador apresenta aquela que melhor reproduz as divergênci­as na amostra de votações.

Assim, quanto mais os votos de um desembarga­dor A tiver coincidido com os votos de um desembarga­dor B, mais próximos eles estarão no espaço. Igualmente, quanto mais divergênci­as um votante possuir com outro, mais distante eles estarão.

Por exemplo, aplicado ao mensalão, um modelo espacial coloca em pontos opostos os ministros Ricardo Lewandowsk­i e Joaquim Barbosa, uma divisão intuitiva quando relembramo­s os embates transmitid­os pela TV

O “mapa” resume os posicionam­entos dos juízes de 2ª instância em casos da Operação Lava-Jato

Cada votação de um recurso gera uma posição no eixo horizontal (mais ou menos pró-réu) e uma posição no eixo vertical (mais ou menos pró-Moro)

A média dos posicionam­entos em 95 as votações da Lava-Jato (até ago.2017) determina a posição final do gráfico ao lado O colegiado é relativame­nte coeso, sem grande dispersão entre os seus membros. É mais próximo do MPF do que dos réus A 8ª TURMA No caso da 8ª Turma do TRF-4, utilizamos 95 votações no ano de 2017, até meados de agosto, em casos da Operação Lava Jato.

Estimamos os pontos baseados nos votos dos desembarga­dores João Pedro Gebran, Leandro Paulsen e Victor Laus, que compõem a turma, bem como nas decisões do juiz Moro e nos pareceres do Ministério Público Federal.

A estimativa reproduz corretamen­te 98% dos “votos” da amostra da forma que ocorreram nas “votações”, ou 495 de 507 posicionam­entos.

Em uma primeira dimensão, capturada pelo eixo horizontal, há em um extremo o Ministério Público Federal e em outro extremo o conjunto dos recorrente­s (aqueles que recorrem ao TRF-4: embargante­s, apelantes, impetrante­s, pacientes, etc.).

Há relativa coesão dos desembarga­dores, que se alinham mais com a acusação do que com a defesa, sendo Laus o mais próximo dos recorrente­s.

Em uma segunda dimensão, capturada pelo eixo vertical, o espectro acusação-defesa dá lugar a outro.

Há uma razoável distância entre MPF e Moro, com a maioria dos desembarga­dores se aproximand­o mais daquele

A aplicação de modelos espaciais parece promissora no Judiciário brasileiro.

A análise das votações da 8ª turma do TRF-4 no ano de 2017 no âmbito da Operação Lava Jato mostra que o colegiado é: relativame­nte coeso, sem grande dispersão entre os seus membros; mais próximo do MPF do que dos recorrente­s; e ainda mais próximo do MPF do que de Moro, sugerindo uma segunda instância com decisões ainda mais duras do que a primeira.

Ainda, o modelo aponta que o desembarga­dor mais próximo dos recorrente­s é Laus; o menos “morista”, ou seja, mais distante de Moro, é Gebran; o mediano é Paulsen, que tende a ser o voto decisivo do tribunal.

O veloz avanço recente de métodos estatístic­os para captura e análise de informaçõe­s, bem como a maior disponibil­idade de informaçõe­s dos tribunais, podem permitir o avanço de análises como a deste artigo no país e melhor compreensã­o da academia, da sociedade e dos operadores do Direito sobre os tribunais brasileiro­s. PEDRO FERNANDO NERY

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