Folha de S.Paulo

Com reforma, Brasil terá regras mais flexíveis que Europa

Terceiriza­ção e prevalênci­a de acordos coletivos são mais restritivo­s em países como França e Argentina

- TAÍS HIRATA

A reforma trabalhist­a tornará o texto da legislação brasileira mais liberal que a de paíseseuro­peuselatin­o-americanos em alguns aspectos, como o poder de negociação entre empresas e funcionári­os e a terceiriza­ção sem exigência de isonomia salarial.

A prevalênci­a de acordos coletivos, um dos pontos mais defendidos pelas empresas brasileira­s, é uma tendência global. Ainda assim, na França, onde uma reforma recente flexibiliz­ou as normas, há mais restrição que no novo texto brasileiro, de acordo com Vilma Kutomi, sócia do Mattos Filho.

Na regra francesa, apenas mudanças favoráveis aos trabalhado­res podem ser definidas nessas negociaçõe­s.

“Não diria que estamos mais avançados em relação aos demais países em geral, mas, em alguns pontos, o Brasil deu um passo à frente”, afirma a advogada.

A Argentina segue um modelo semelhante ao francês, em que os acordos coletivos existem, mas não prevalecem sobre a legislação caso a mudança não seja favorável ao empregado, segundo ela.

Nos EUA, a tendência é que o acordo prevaleça, mas as regras variam por Estado.

“Vão de uma Nova York ultraliber­al à Califórnia, onde os direitos são mais assegurado­s por lei”, diz José Carlos Wahle, sócio do Veirano.

No caso da terceiriza­ção de atividades-fim, a reforma não garante isonomia salarial entre terceiriza­dos e funcionári­os diretos, o que não ocorre na França e na Argentina.

“A questão da atividadef­im ou meio não é uma questão na lei francesa. Não há restrição expressa, mas nenhuma forma de discrimina­ção é aceita”, afirma Paulo Sergio João, professor de Direito da FGV-SP.

Uma real flexibiliz­ação dessas regras no Brasil, porém, vai depender de sua aplicação prática pelo Judiciário, destaca Cássia Pizzotti, sócia do Demarest.

Para a advogada, o fato de o Brasil se posicionar de forma mais liberal em alguns aspectos não é mérito da reforma —apenas revela que legislaçõe­s europeias e latinas ainda são bastante restritiva­s.

“Muitos países europeus têm grandes limitações para o desligamen­to de funcionári­os, por exemplo.”

Nem todas as mudanças da legislação brasileira avançam em relação a outros países. Em muitos casos, trata-se maisdeumae­quiparação,como o fim da contribuiç­ão sindical compulsóri­a.

Na França e nos EUA, o trabalhado­r não é obrigado a contribuir, apenas os filiados. Na Argentina, a taxa é cobrada das empresas, direto na folha de pagamento.

A comparação entre os sistemas sindicais dos países, porém, não é simples, pois há muitas diferenças nos pilares das relações entre empregados e sindicatos, diz Wahle.

“Nos Estados Unidos, por exemplo, quem é sindicaliz­ado tem tratamento diferente de quem não é, então a força da entidade depende da adesão. A meta é ampliar a base, e as empresas tentam coibir. Já na Argentina ou na França, a sindicaliz­ação é voluntária, mas não há distinção nos direitos coletivos.” INTERMITEN­TE Outro ponto em que a lei brasileira se equipara à internacio­nal é a previsão de contratos intermiten­tes, que passam a existir com a nova lei.

A regulament­ação foi espelhada na legislação francesa, mas foi “mal copiada”, segundo João, da FGV.

“Tropicaliz­amos demais. Na França, o empregador se compromete a pagar as horas contratada­s independen­temente de usar o serviço. No Brasil, o trabalhado­r não terá essa garantia, mas também tem a possibilid­ade de negar caso seja chamado.”

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