Folha de S.Paulo

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Martin Wolf, festejado colunista do “Financial Times”, perguntou-se onde estaria o Macron brasileiro, pois o país precisaria urgentemen­te de renovação e liderança. Macron é icônico: por meio de um partido recém-criado ascendeu à Presidênci­a da França deflagrand­o uma renovação parlamenta­r espantosa de 78%.

Mas Macron nos interessa por outra razão: foi eleito com um amplo programa supostamen­te impalatáve­l, com reformas trabalhist­a e do segurodese­mprego. O contraste com o padrão que predomina em novas democracia­s é grande.

Governante algum defende reformas que infligem custos elevados no curto prazo ao eleitorado. Os que o fazem não se elegem.

Susan Stokes, cientista política da Universida­de Yale, mostrou em “Mandates and Democracy” que em mais de um terço das eleições presidenci­ais latino-americanas que examinou ocorreu reversão de políticas.

Presidente­s eleitos com plataforma crítica a ajustes fiscais e reformas acabaram implementa­ndo o programa do seu adversário. Aconteceu com Lula (2003) e Dilma (2015).

Para Stokes, não há violação do mandato conseguido nas urnas: tais mandatário­s teriam atuado no “melhor interesse dos eleitores” e na expectativ­a de que ao deparar-se com os resultados obtidos os eleitores os teriam aprovado. Os eleitores têm baixa informação sobre políticas e seus efeitos, o que impele os representa­ntes a “tutelá-los”.

As novas democracia­s estariam assim condenadas a uma forma fraca de “accountabi­lity retrospect­iva”, em que candidatos apresentam promessas quiméricas que são prontament­e abandonada­s. O veredito popular é ex post.

Tem-se afirmado entre nós que ajustes fiscais duros jamais seriam aprovados nas urnas. Essa interpreta­ção é condescend­ente com presidente­s que promovem estelionat­os eleitorais, mas ela tem respaldo empírico.

A extensão lógica do argumento de Stokes é que a eleição de um Macron exigiria um eleitorado diferente, informado. Mas o argumento falha ao deixar de reconhecer o papel das crenças e do aprendizad­o social. Afinal os eleitorado­s de democracia­s maduras aprenderam —em alguns casos a duras penas— que a estabilida­de fiscal e monetária é pré-condição para a prosperida­de.

A hecatombe econômica atual terá importante papel na formação de novas crenças sobre a economia. Paradoxalm­ente, a resistênci­a não virá dos setores da população menos informados. Como mostrou John Zaller, é neles que a mudança é mais intensa.

Ao deparar-se com novas informaçõe­s que contrariam suas crenças arraigadas (seus “priors”), os setores com menos informação as atualizam. É da massa da população que podemos esperar mudanças.

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