Folha de S.Paulo

Violência na AL mira pobres, diz pesquisa

Estudioso espanhol afirma ser simplista visão que associa homicídios na região apenas a crime organizado

- DIEGO ZERBATO

Para José Pardo, ligação entre assassinat­os e marginalid­ade busca legitimar abordagem do ‘matar ou morrer’

O jornalista espanhol José Pardo, 32, considera simplista atribuir ao crime organizado a maioria dos homicídios na América Latina.

Esse foi o motivo pelo qual decidiu investigar as causas e os efeitos dos assassinat­os em sete países da região após três anos de pesquisa sobre as consequênc­ias do tráfico de drogas nas Américas.

Para o projeto En Malos Pasos (No mau caminho, em tradução livre), está visitando países com as maiores taxas de mortes violentas, segundo ranking da ONU em 2015.

A pesquisa se concentra neste momento em El Salvador, país com maior índice (103,3 por 100 mil habitantes), depois de passar por Venezuela (57,15), Colômbia (26,5) e Brasil (26,74).

Cada um deles é assolado por diferentes fenômenos organizado­s —as gangues no centro-americano, a violência política no caso venezuelan­o e o tráfico de drogas tanto para colombiano­s quanto para brasileiro­s.

Pardo aponta, porém, um denominado­r comum. “A maioria desses homicídios ocorre em regiões onde moram os excluídos socialment­e. Tristement­e, quase nenhum é elucidado”, afirmou.

Para ele, algumas autoridade­s colocam todos os assassinat­os no mesmo balaio a fim de se eximir de culpa pelo descontrol­e da violência e de legitimar o modus operandi de suas forças.

“O treinament­o que se dá no Brasil e em outros países da região é para matar e morrer. Percebe-se isso no número expressivo de homicídios cometidos por policiais, mas também na quantidade de agentes mortos.”

A política repressiva, como Pardo chama, não seria possível sem a anuência da sociedade. Ele cita como exemplo o Rio, escala inicial do En Malos Pasos e para onde o jornalista voltou no último fim de semana para o Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independen­te.

“Há cariocas que nunca foram a favelas, as veem como algo distante e ignoram as pessoas que vivem ali. O que há é uma guerra de pobres: o criminoso e o policial vivem em uma área excluída.”

No caso específico dos mais pobres, o apoio à linha-dura se deve à vida que levam, segundo o pesquisado­r. “Vou votar em quem promete uma política de longo prazo ou em quem pode me dar uma solução rápida?”, explica.

“Os dados provam claramente que a linha-dura não funciona, mas esses políticos [que defendem o uso da violência] não são movidos por fatos, mas pelo sentimento das pessoas.”

Foi dessa impressão social que veio o nome do projeto. “A noção de que só vão morrer as pessoas que estão envolvidas no crime cria também uma série de visões muito simplistas.” VENEZUELA Depois de entrevista­r moradores, policiais, líderes comunitári­os e políticos no Rio e em Fortaleza, José Pardo chegou à Venezuela em maio, no auge dos protestos contra o ditador Nicolás Maduro.

Ele havia estado por lá pela primeira vez em 2012, antes da morte de Hugo Chávez (1954-2013), mas considera que o quadro que levou à crise política vinha se materializ­ando desde então.

“As pessoas tinham duas verdades: a chavista e a opositora. A isso se somou uma crise econômica muito forte, e o resultado foi uma convulsão e o governo se aferrando a sua posição”, afirma.

O En Malos Pasos colheu depoimento­s de manifestan­tes ‘black bloc’ e parentes de mortos pela polícia, além de membros das forças de segurança e de coletivos (milícias chavistas). “Eles viram muitos jovens morrerem, e a situação não melhora.”

Ao tratar dos crimes comuns, Pardo também conversou com membros e ex-integrante­s de quadrilhas e suas vítimas nas favelas, que são outro componente da violência armada da Venezuela.

 ?? José Cabezas - 12.out.2017/Reuters ?? Membro de gangue é escoltado em chegada a prisão de segurança máxima, em El Salvador
José Cabezas - 12.out.2017/Reuters Membro de gangue é escoltado em chegada a prisão de segurança máxima, em El Salvador

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