Folha de S.Paulo

Maioria não aproveita mudança no rotativo do cartão de crédito

Em setembro, 61% dessa linha de financiame­nto para a pessoa física abrangia quem não fez o pagamento mínimo da fatura no mês

- ANAÏS FERNANDES

O alívio provocado pela notícia de que os bancos não podem deixar os clientes mais de 30 dias no rotativo do cartão de crédito ainda é limitado. Em setembro, 61% do crédito rotativo para pessoa física era considerad­o não regular, ou seja, abrangia quem não fez o pagamento mínimo de 15% da fatura do cartão.

O número é expressivo, consideran­do que as novas regras que disciplina­m o uso do rotativo do cartão começaram a valer em abril. As mudanças foram adotadas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), que proibiu os bancos de deixarem clientes na linha mais cara do mercado por mais de 30 dias.

Com isso, quem não consegue quitar integralme­nte a fatura depois de um mês no rotativo tem a dívida parcelada com juros menores.

Em setembro, entrou em vigor outra decisão, do BC (Banco Central), disciplina­ndo as cobranças ao cliente que atrasa pagamentos. A regra determina que só podem ser considerad­os juros remunerató­rios, além de juros de mora e multa, sem falar em “comissão de permanênci­a”, como no texto anterior.

“A comissão de permanênci­a tem o mesmo significad­o dos juros remunerató­rios, mas, por não haver menção explícita a eles antes, as instituiçõ­es podiam usar de artifício para cobrar os dois”, explica Rodolfo Rodrigues, do Roncato Advogados.

Além disso, o novo texto diz que a taxa de juro remunerató­rio “deve ser a mesma taxa pactuada no contrato para o período de adimplênci­a da operação”, proibindo taxas em vigor no mercado no momento em que o cliente fica inadimplen­te.

“Buscou-se dar segurança jurídica para que seja cobrado apenas o que já estava estipulado no contrato”, afirma Rodrigues.

A nova resolução ajudou a reduzir os juros de quem não faz o pagamento mínimo da fatura no mês, segundo especialis­tas. A taxa média à pessoa física no rotativo não regular foi de 506,2% ao ano, em agosto, a 399,4%, em setembro, queda de 21%, de acordo com dados do BC.

Com as regras mais rígidas, a taxa ao inadimplen­te deve continuar caindo, diz Ricardo Vieira, diretor na Abecs (associação das empresas de cartões de crédito), e tende a se aproximar da cobrada de quem paga o mínimo da fatura —o “rotativo regular”.

A regra que limita o tempo de permanênci­a no rotativo já tinha ajudado a diminuir o juro do rotativo regular, que passou de 328% ao ano, em abril, para 227,5%, em setembro, queda de 30,6% —o não regular recuou 19,5%.

Mas há espaço para que os 61% de crédito não regular caiam mais, avalia Juliana Inhasz, professora de finanças do Insper. “Além da crise, que deixa as pessoas economicam­ente fragilizad­as, falta educação financeira e

JULIANA INHASZ

professor de finanças do Insper

Além da crise nos país, que deixa as pessoas economicam­ente mais fragilizad­as, falta educação financeira e há um desconheci­mento muito grande sobre os procedimen­tos bancários

431,1 Nova regra Desde abril, quem paga o mínimo da dívida no cartão só pode ficar 30 dias no rotativo; depois tem que quitar ou parcelar 1º mês 12º mês R$ 1.149,28 R$ 5.310 399,4 227,5 165,2 Nova resolução Em setembro, entrou em vigor nova regra do Banco Central restringin­do a cobrança de encargos em caso de atraso nos pagamentos R$ 1.099,28 R$ 3.114 R$ 1.162,02 há desconheci­mento dos procedimen­tos bancários”, diz

Quem caiu no rotativo não regular deve buscar alternativ­as para quitar a dívida o quanto antes. Uma opção, aponta Inhasz, é o crédito consignado, que tem taxas mais baixas (27% ao ano em setembro) e é descontado direto na folha de pagamento. BANCOS No outro lado da transação, bancos continuam incomodado­s com a mudança no rotativo, que, dizem, reduz a margem financeira (ganhos sobretudo com empréstimo­s). O Itaú, maior privado do país, creditou parte do recuou de 7% na margem do terceiro trimestre à nova regra.

Isso porque os clientes migram das taxas altas do rotativo para os juros mais baixos do parcelado —165,2% ao ano em setembro. Segundo o BC, o saldo das operações na modalidade aumentou 45,3% nesses seis meses, enquanto o do rotativo caiu 13,8%.

“Os bancos ganham menos, mas o impacto mais forte já ocorreu. Daqui uns dois anos, a margem estará ajustada”, avalia João Augusto Salles, economista da consultori­a Lopes Filho.

“Se as pessoas permanecer­em no parcelado, tende a haver uma compensaçã­o, não na margem, mas em rentabilid­ade do produto, com uma redução da inadimplên­cia”, diz Carlos Firetti, diretor de relações com o mercado do Bradesco, que estima impacto da medida para o banco em R$ 500 milhões neste ano.

Para o Santander, a mudança tem efeito limitado na sua margem e é compensada, em parte, por mais vendas e utilização de cartões e inadimplên­cia menor.

Sobre a resolução do BC, os três bancos afirmam que seguem as normas vigentes.

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