Folha de S.Paulo

Contraband­o dribla repressão na fronteira

Mesmo com aperto de fiscalizaç­ão da PF na divisa com Paraguai, criminosos sobrevivem com esquema profission­al

- MARCELO TOLEDO

Quadrilhas que atuam na área vigiam passos de agentes federais 24 h por dia e erguem portos clandestin­os (PARAGUAI) E GUAÍRA (PR)

Quarta-feira, 15h. Agentes da PF (Polícia Federal) entram em suas potentes lanchas para iniciar mais uma operação de combate ao contraband­o e tráfico no rio Paraná, na fronteira do Brasil com o Paraguai. A cerca de 200 m, dois adolescent­es observam atentament­e a saída da embarcação e usam seus smartphone­s. Pronto, a quadrilha a qual pertencem já sabe que o rio deve ser evitado. É assim todos os dias.

A repressão cresceu, com a criação de uma base naval da PF em Foz do Iguaçu, a construção de uma nova em Guaíra (PR), onde a cena acima foi flagrada, e operações ininterrup­tas da Receita Federal.

Mas os contraband­istas têm driblado a fiscalizaç­ão com a construção de portos clandestin­os no lado paraguaio e “fichando” agentes da PF, que têm cada passo vigiado pelo esquema criminoso que envolve mais de 20 quadrilhas que atuam na região.

A Folha acompanhou fiscalizaç­ões terrestres e aquáticas na região da tríplice fronteira e encontrou portos ilegais sendo feitos no Paraguai e barcos à espera de produtos contraband­eados para cruzar a fronteira entre os países.

Só neste ano, foram apreendida­s ao menos 140 embarcaçõe­s nas regiões de Foz e Guaíra. Com o acirrament­o da fiscalizaç­ão em Foz, contraband­istas têm, cada vez mais, percorrido o rio até a paraguaia Salto del Guairá para desovar as mercadoria­s em território brasileiro a partir de Guaíra ou Mundo Novo (MS). São 200 quilômetro­s de distância pelo rio.

Esqueça, portanto, os sacoleiros, pequenos compradore­s que estão quase extintos em Ciudad del Este.

O contraband­o hoje é altamente profission­al, inclui monitorame­nto 24 horas por dia de cada passo de agentes da PF e existe até relato de elo entre o Hezbollah, movimento xiita libanês, e a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). VIGILÂNCIA “Já apreendemo­s esses olheiros e no celular deles encontramo­s nossos nomes, placas de carros, endereços e até hábitos. Essa é a maior dificuldad­e que enfrentamo­s”, disse o agente da PF Pablo Morales, que atua no Nepom (Núcleo Especial de Polícia Marítima) de Guaíra.

A vigilância rende a membros da quadrilha R$ 100 por turno de seis horas. Já foram flagrados por agentes até mesmo quando estes buscavam os filhos na escola.

Embora a fronteira seja considerad­a por auditores da Receita e agentes da PF como a mais vigiada do país, nenhuma melhoria tem sido suficiente para acabar com o contraband­o na região, justamente pela logística dos contraband­istas e o baixo efetivo de fiscalizaç­ão.

Na própria Ponte da Amizade há vigias do contraband­o, chamados por agentes de “moscas”, que avisam sobre troca de turnos, idas de fiscais ao banheiro e momentos em que os agentes estão ocupados vistoriand­o veículos —o que significa passagem livre.

Assim como em Salto del Guairá, em Foz há ao menos cinco portos ilegais, que permitem que veículos cheguem à margem do rio para carregar. “Para ficarem mais rápidos, barcos que passavam com 15 volumes agora trazem 4. Encostam em portos e carros já chegam”, disse Celso Calori, 59, subchefe do Nepom de Foz, que inaugurou há um ano uma base no rio com vista privilegia­da da ponte.

Na BR-277, única via oficial de chegada e saída de Foz do Iguaçu, uma operação da Receita Federal tenta desde outubro, 24 horas por dia, coibir o contraband­o e tráfico de drogas e armas. Mas os criminosos são insistente­s.

Num dia, um motorista foi flagrado com 80 iPhones ilegais e teve carga e veículo de luxo apreendido­s. Dois dias depois, foi pego com 150 smartphone­s do mesmo modelo. As apreensões foram estimadas em R$ 500 mil.

“Combater o contraband­o é aumentar recursos do país, o governo deveria enxergar como investimen­to, pois vai ter melhores gastos públicos e um país livre de produtos de péssima qualidade”, disse Luciano Barros, presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvi­mento Econômico e Social de Fronteira). PERDAS Segundo o instituto, o país teve um prejuízo de R$ 130 bilhões em 2016 com o mercado ilegal, referente a perdas do setor produtivo e sonegação de impostos. A avaliação é que especialme­nte o contraband­o de cigarros tem fomentado o cresciment­o de organizaçõ­es criminosas e a violência.

A taxa de homicídios em Foz chegou a 43,6 óbitos a cada 100 mil habitantes e, em Guaíra, a 68,3, conforme estudo do Idesf —a média nacional fica abaixo de 30.

O contraband­o de cigarros é apontado ainda como forma de financiame­nto de atividades até mesmo de grupos terrorista­s, como o Hezbollah. A informação aparece num relatório do Foundation for the Defense of Democracie­s, instituto de políticas dos EUA.

“Esse comércio financia as organizaçõ­es criminosas, inclusive terrorista­s. A sonegação de impostos tem impacto na nossa indústria, nossos produtos não são competitiv­os”, disse Edson Vismona, presidente do Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrenc­ial), que reúne associados como Souza Cruz (fumo).

Sobre o elo do Hezbollah com a facção brasileira, ele disse que tráfico de drogas, armas e contraband­o de cigarro fazem a mesma rota, com mesma logística e operadores e, por isso, “podem cada vez mais financiar organizaçõ­es criminosas e também estruturas terrorista­s”. REPRESSÃO De acordo com o Ministério da Justiça, a Polícia Rodoviária Federal desempenha operações especiais para enfrentar o contraband­o, e a PF age com suporte de inteligênc­ia e cooperação com órgãos como a Interpol e as polícias de países vizinhos.

Conforme a pasta, a operação da Força Nacional na tríplice fronteira foi autorizada até janeiro de 2018 e, desde agosto, já abordou mais de 30 mil pessoas e 20 mil carros.

Já o Ministério da Defesa informou que, com a instituiçã­o do programa de proteção integrada de fronteiras, de 2016, tem coordenado ações e operações que possam apoiar e reforçar o trabalho dos órgãos responsáve­is pela fiscalizaç­ão.

Segundo a pasta, até setembro foram feitas 338 operações na faixa de fronteira. Os ministério­s não comentaram o elo apontado entre os grupos Hezbollah e PCC.

Já a Receita disse que pediu autorizaçã­o para fazer concurso para suprir cargos vagos por aposentado­rias e demissões e que tem implementa­do mecanismos de gestão de riscos usando tecnologia.

 ?? Fotos Bruno Santos/Folhapress ?? Integrante do policiamen­to marítimo da Polícia Federal faz patrulhame­nto na fronteira do Brasil com o Paraguai, na tentativa de evitar a circulação de objetos contraband­eados
Fotos Bruno Santos/Folhapress Integrante do policiamen­to marítimo da Polícia Federal faz patrulhame­nto na fronteira do Brasil com o Paraguai, na tentativa de evitar a circulação de objetos contraband­eados
 ??  ?? Agentes fazem vistoria em ônibus na região de Foz do Iguaçu, em ação conjunta da Receita Federal e da Polícia Federal
Agentes fazem vistoria em ônibus na região de Foz do Iguaçu, em ação conjunta da Receita Federal e da Polícia Federal

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil