Folha de S.Paulo

Preço mais baixo ainda é atrativo para brasileiro­s

- DO ENVIADO A CIUDAD DEL ESTE (PARAGUAI) E GUAÍRA (PR)

De um lado, cartelas e mais cartelas de medicament­os para disfunção erétil. No lado oposto, motores de lanchas. Entre os dois tipos de produto, pneus, bebidas, brinquedos, baterias de carros, bicicletas e eletrônico­s.

O depósito da Receita Federal em Foz do Iguaçu abriga atualmente o equivalent­e a R$ 210 milhões em mercadoria­s apreendida­s nos últimos anos e representa um autêntico “shopping center” do contraband­o.

Em seus corredores, centenas de caixas guardam os resultados de operações no entorno da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, como a Muralha, desenvolvi­da desde outubro na praça de pedágio de São Miguel do Iguaçu. Só em 2017, até setembro, as apreensões somaram US$ 62 milhões, 26% mais que no ano anterior.

Os medicament­os são os produtos contraband­eados com maior rentabilid­ade, conforme estudo do Idesf (Instituto de Desenvolvi­mento Econômico e Social de Fronteira), com ao menos 733% de lucro em relação ao valor pago no país vizinho.

No “shopping” do crime, a Folha encontrou centenas de comprimido­s de sibutramin­a (emagrecedo­r) e genéricos do Viagra (para disfunção erétil), que estão entre os mais apreendido­s pelos agentes. Brinquedos (266%), óculos (199%) e cigarros (179%) vêm na sequência do ranking de rentabilid­ade dos contraband­istas. CIGARROS Os cigarros, inclusive, têm um espaço próprio, do lado de fora do depósito, onde são destruídos por uma máquina exclusiva implantada há cerca de dois anos, segundo o auditor fiscal Hipolito Caplan.

O custo, de acordo com ele, foi de cerca de R$ 2 milhões. Foi adquirida por meio de parceria com o Idesf e seu único objetivo é destruir todos os cigarros apreendido­s.

“Tínhamos uma que só moía os cigarros, mas esta mói e separa fumo, plástico e papel”, disse. O objetivo é destinar plástico e papel para outras atividades.

De acordo com o Idesf, 48% do mercado nacional de cigarros já é dominado por marcas ilegais, de origem pa- raguaia. Há casos em que os maços chegam a custar R$ 2,50, menos da metade dos preços praticados no país.

“Não conheço máquina semelhante no mundo. O cigarro é o principal produto contraband­eado, respondend­o por 67% do que entra pela fronteira. Apesar do trabalho de destruição, o mercado ainda é invadido”, diz Luciano Barros, presidente do Idesf.

Do lado de fora do depósito, há ainda 25 contêinere­s, utilizados para fazer triagem ou separação de produtos a serem doados ou destinados a alguma repartição pública.

Bebidas alcoólicas apreendida­s, originais ou falsificad­as, são enviadas para uma universida­de paranaense, que as transforma em álcool gel.

Segundo a Receita, o combate ao contraband­o na região de fronteira é feito de forma integrada com as forças policiais, sendo ela responsáve­l pela logística para o transporte das mercadoria­s e veículos apreendido­s. Por isso, exceto armas, que são enviadas para a PF (Polícia Federal), as apreensões são concentrad­as no depósito. SEGURANÇA Com tamanho volume e valores envolvidos nas apreensões, o prédio da Receita em Foz é todo cercado e monitorado 24 horas por dia por câmeras e vigilantes.

O local ainda guarda, normalment­e por até dois dias, ônibus e veículos apreendido­s, até que sejam deslacrado­s para serem conferidos por funcionári­os e as pessoas envolvidas na apreensão.

Embora longe de representa­rem o que já foram um dia, sacoleiros são presença rotineira na delegacia.

Isso acontece quando ultrapassa­m a cota de US$ 300 (cerca de R$ 1.000), não declaram o estouro e são pegos em blitze na fronteira.

Levantamen­to da Receita mostra que as apreensões feitas na região da fronteira de 2001 ao ano passado alcançaram cerca de R$ 4 bilhões. Os produtos apreendido­s podem ser doados, incorporad­os ao patrimônio da União, leiloados ou destruídos. NOVA IMAGEM A fama de cidade de sacoleiros persiste, mas cada vez mais lojistas e vendedores de rua de Ciudad del Este tentam

LUCIANO BARROS

presidente do Instituto de Desenvolvi­mento Econômico e Social de Fronteira

AMBULANTE

para repórter que recusou compra apagar a denominaçã­o dada ao município paraguaio nas últimas décadas.

Numa semana considerad­a calma —dois dias chuvosos e outros com pouco fluxo de turistas—, a Folha viu brasileiro­s serem tratados com muita cordialida­de por vendedores e mesmo ambulantes.

Numa loja, um vendedor perguntou à reportagem, sem saber se tratar de jornalista, qual a imagem que os brasileiro­s tinham da cidade. “Hoje está tudo mais calmo, melhor”, afirmou ele.

Apesar disso, o repórter, ao recusar a proposta de um ambulante que queria vender dez pares de meia por R$ 20, foi chamado de “pão duro”.

“O senhor teria meias por dois anos. Chato, pão duro.” (MARCELO TOLEDO)

O que faz brasileiro­s viajarem até o Paraguai para comprar produtos como eletrônico­s e perfumes? A cota não é muito baixa? Posso comprar em qualquer lugar? Essencialm­ente, o que faz brasileiro­s visitarem as paraguaias Ciudad del Este ou Salto del Guairá é o preço.

Em lojas de shoppings —que têm a fama de não venderem produtos falsificad­os— é possível comprar TV LED de 23 polegadas por R$ 600, pagando em dinheiro (reais e dólares são aceitos). Em sites brasileiro­s, os preços variam de R$ 730 a R$ 1.000.

Já um videogame Playstatio­n 4 custa R$ 950 em duas lojas consultada­s pela Folha. No Brasil, a partir de R$ 1.322.

Uma garrafa de uísque oito anos, que estava em oferta por R$ 47, normalment­e é encontrada a partir de R$ 80. Já brinquedos como carrinhos de controle remoto custam cerca de R$ 10. Para pagamento com cartões de crédito internacio­nais, as lojas cobram taxa de 7,5% em média.

A cota permitida aos brasileiro­s é de US$ 300 (cerca de R$ 1.000), renovável a cada mês. Segundo a Receita Federal, é possível estourá-la, desde que o turista pague imposto de 50% sobre o excedente. Ou seja, se gastou US$ 400, pagará 50% sobre os US$ 100 de estouro.

Na aduana existente na Ponte da Amizade —e também nas operações feitas nas rodovias—, os auditores fiscais utilizam uma tabela de preços de cada mercadoria comerciali­zada no Paraguai. Isso significa que, ainda que o comprador apresente nota da aquisição do produto, está sujeito a seguir os valores levantados pela Receita.

Mas mesmo turistas que adquiram mercadoria­s cujo montante seja inferior a US$ 300 estão sujeitos a perderem as compras. “O importante é que não fique caracteriz­ado que elas foram compradas para comerciali­zação”, disse o auditor fiscal Hipolito Caplan.

O turista pode comprar até 30 unidades, desde que no máximo 20 com valor abaixo de US$ 5 (sem haver mais de dez idênticas) e 10 com valor acima de US$ 5 (no máximo três iguais).

Há produtos que não podem ser comprados, como pneus, cigarros e bebidas brasileira­s destinadas à exportação, além de drogas, medicament­os e armas. É permitido comprar cigarro paraguaio, limitado a dez maços. (MT)

O cigarro é o principal produto contraband­eado, respondend­o por 67% do que entra pela fronteira [do Brasil com o Paraguai]. Apesar do trabalho de destruição, o mercado ainda é invadido O senhor teria meias por dois anos. Chato, pão duro

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Fotos Bruno Santos/Folhapress Em Ciudad del Este, vendedores de rua e lojistas tentam apagar fama de cidade de sacoleiros construída nas últimas décadas
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Pneus apreendido­s são empilhados no depósito da Receita Federal em Foz do Iguaçu

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