Folha de S.Paulo

Nunca mais alguém se relacionar­á com chimpanzés como eu

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África foi uma vantagem, pois, naquela época, os países africanos eram recém-independen­tes ou caminhavam em direção à independên­cia, e os homens brancos eram vistos como ameaças. Os africanos não gostavam deles. Mas eu, como mulher —todos queriam me ajudar. Não havia concorrênc­ia com homens nesse campo, porque ninguém estava fazendo [o que eu fui fazer].

Você sentiu medo em algum momento?

Sim, às vezes. Quando os chimpanzés começaram a perder o medo, ficaram bastante agressivos, e eles eram dez vezes mais fortes que eu. Eles me tratavam como predadora, como tratariam um leopardo.

Seus pelos estavam arrepiados, eles estavam gritando, tinham subido numa árvore, estavam agitando os galhos e batendo na minha cabeça com os galhos. Felizmente, enquanto isso estava acontecend­o eu não senti medo. Pensei: “Vai ficar tudo bem, eu tinha mesmo que estar aqui.” Eu cavei buraquinho­s no chão, comi folhas, não olhei para eles, e de fato, como eu esperava, eles foram embora. Mais tarde, minhas pernas ficaram bambas. O método de observação científica é muito diferente hoje; não há contato entre o cientista e o animal. Você sente falta da proximidad­e que existia antes?

Sinto falta de estar na floresta. Quando olho para esse filme e penso no relacionam­ento que eu tinha com [os chimpanzés] Flo e David Greybeard, foi algo mágico e que nunca voltará a existir. Ninguém nunca mais fará desse jeito. Volto a Gombe duas vezes por ano e faço questão de passar um dia sozinha na floresta. Mas há turistas e pessoas importante­s que vêm, e é tão diferente. Do que você sente medo hoje?

Não da morte em si. Porque ou não há nada depois dela ou há alguma coisa, e neste caso será superinter­essante. Mas acho que sentimos medo de ficar decrépitos.

Quanto ao mundo, acho que precisamos combater a pobreza, o estilo de vida insustentá­vel que a maioria de nós vive e o cresciment­o da população humana. Essas três coisas levaram à mudança climática e a todo o resto. Precisamos mudar as coisas, se não como ficará o mundo daqui a 50 anos? Sinto medo pelos filhos de meus netos.

O que podemos fazer para ajudar? Conheço pessoas incríveis que estão salvando animais que estão à beira da extinção, restaurand­o florestas, limpando rios. É saber o que pode ser feito que dá às pessoas a coragem de lutar. CLARA ALLAIN

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