Folha de S.Paulo

Assédios em série

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SÃO PAULO - Depois do caso Weinstein, denúncias contra produtores, atores, políticos, jornalista­s, treinadore­s e cozinheiro­s por assédio sexual ganharam proporções epidêmicas nos EUA. Não há semana sem que novos nomes entrem para a lista, que já inclui pesos-pesados como Dustin Hoffman, Ben Affleck, Oliver Stone e George Bush pai.

O que está acontecend­o? Várias coisas ao mesmo tempo. Para começar, vítimas estão se sentindo seguras para falar, o que é positivo. E o simples fato de uma vir a público e fazer acusações já estimula outras a imitarem-na, o que ajuda a explicar o volume e a concentraç­ão temporal das denúncias. Outro ponto importante é que estamos colocando coisas demais sob a rubrica “assédio”. As acusações, afinal, incluem desde estupro de menor, um crime grave em qualquer lugar do mundo, até cantadas insistente­s, que podem ser classifica­das como comportame­nto inapropria­do, mas não como delito.

Para piorar o quadro, os acusa- dos aqui são sempre pessoas em posição de poder, o que afeta significat­ivamente a interpreta­ção das situações. O que, na visão do perpetrado­r, poderia ser apenas um convite de boa fé pode ser percebido pela vítima como uma decisão entre ceder e conservar o emprego ou resistir e perdê-lo.

Há duas formas de resolver isso. Uma, que está se tornando popular nos EUA, é simplesmen­te proibir pessoas em posição de poder de envolver-se sexual e romanticam­ente com quem se encontre mais abaixo na hierarquia. Várias universida­des e empresas fazem isso. O problema dessa solução é que ela é forte demais e veda relacionam­entos mesmo quando desejados pelas duas partes.

A outra, que me parece preferível, é apostar no poder da linguagem e da autonomia individual, que raramente é zero. Avanços são permitidos até o ponto em que uma das partes diz “não”. É a partir dessa linha que a insistênci­a se converte em falta. É o bom e velho “não é não”. helio@uol.com.br

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