Ministro do STF rejeita delação e questiona PGR
Para Ricardo Lewandowski, acordo de Renato Pereira é benéfico demais a ele
Ministro também acusou o Ministério Público de invadir as competências da Justiça ao sugerir as penas
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), devolveu a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira, que trabalhou para o PMDB, para que a PGR (ProcuradoriaGeral da República) faça ajustes nos benefícios concedidos ao colaborador.
Para o magistrado, os termos fechados pela Procuradoria foram demasiadamente benéficos ao delator.
Na avaliação de Lewandowski, algumas cláusulas do acordo chegam a ser inconstitucionais.
Ele destaca que o Ministério Público não pode agir como o Poder Judiciário e que cabe apenas a um juiz estabelecer pena ao réu.
O ministro foi um dos críticos dos benefícios concedidos pelo colega Edson Fachin aos delatores da JBS, acordo alvo de polêmica. Durante julgamento sobre questões relativas à colaboração, em junho, Lewandowski defendeu que a legalidade dos acordos deveria ser analisa- da em um sentido “amplo”.
A delação de Pereira foi fechada pelo ex-vice-procurador-geral José Bonifácio, que trabalhava junto com Rodrigo Janot, e que deixou a PGR em setembro deste ano.
Em sua delação, Pereira relatou oito casos que seriam de corrupção. A Procuradoria concedeu perdão em todos, “à exceção daqueles praticados por ocasião da campanha eleitoral para o governo do Rio no ano de 2014”.
Como punição decorrente do esquema de caixa dois em 2014, a Procuradoria concordou que Pereira deveria pagar R$ 1,5 milhão como multa em até 18 meses.
O valor foi considerado baixo por Lewandowski. Para ele, cabe apenas ao Judiciário “apreciar se o montante estimado é o suficiente para a indenização dos danos causados pela infração, considerados os prejuízos sofridos pelo ofendido [erário e povo brasileiro]”. PENAS A gestão Janot propôs pena unificada de quatro anos de reclusão, sendo que o primeiro ano seria de recolhimento domiciliar noturno por um ano, das 20h às 6h. Nos outros três anos, Pereira deveria prestar 20 horas semanais de serviço comunitário.
Durante o período ele poderia viajar para o Brasil e pa- ra o exterior, a trabalho ou para visitar parentes.
O ministro Lewandowski destaca que a Lei de Execução Penal permite a saída da prisão para viajar apenas “em caso de falecimento ou doença grave”.
“Inicialmente observo que não é licito às partes contratantes fixar, em substituição ao Poder Judiciário e de forma antecipada, a pena privativa de liberdade e o perdão de crimes ao colaborador”, escreveu o ministro.
“O Poder Judiciário detém, por força de disposição constitucional, o monopólio da jurisdição, sendo certo que, somente por meio da sentença penal condenatória proferida por magistrado competente afigura-se possível fixar ou perdoar pena privativa de liberdade”, afirmou Lewandowski.
Além disso, a Procuradoria acertou com o delator que os prazos de prescrição começariam a valer apenas daqui a dez anos.
A suspensão dos prazos prescricionais não está prevista no Código de Processo Penal.
“Validar tal aspecto do acordo corresponderia a permitir ao Ministério Público atuar como legislador. Em outras palavras, seria permitir que o órgão acusador pudesse estabelecer, antecipadamente ao acusado, sanções criminais não previstas em nosso ordenamento jurídico”, diz a decisão do ministro.
O marqueteiro citou supostas ilegalidades envolvendo a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP). Por isso, a delação ficou atrelada ao Supremo, foro de senadores.
Pereira falou ainda sobre supostos esquemas nas campanhas políticas do PMDB do Rio de 2010 a 2016, incluindo a do atual governador Luiz Fernando Pezão.
Ele citou supostas irregularidades em licitações do governo do Rio e de prefeituras. SIGILO Em nota, a atual gestão da PGR informou que as cláusulas da delação “serão analisadas com critério para saber o que pode ser feito” e que é “algo normal fazer questionamentos como esses”.
Lewandowski também determinou a suspensão do sigilo e a apuração de vazamento do conteúdo da delação.
A PGR informou que, no seu entendimento, o sigilo só deve ser suspenso com o recebimento da denúncia —conforme prevê a legislação— ou quando não representar risco à investigação. “E será sob essa ótica que a decisão do ministro será analisada pelos procuradores”, diz a PGR.
A Folha não consegui contato com as assessorias de Marta e Pezão.