Folha de S.Paulo

Decisão gera inseguranç­a para a investigaç­ão

Ministro Lewandowsk­i implementa padrão mais invasivo de controle judicial sobre acordos de delação premiada

- ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA

O ministro Ricardo Lewandowsk­i não homologou os termos de colaboraçã­o premiada de Renato Pereira e isso traz dúvidas sobre o alcance do poder do Ministério Público nas negociaçõe­s de acordo e sobre a validade de outras delações da Lava Jato.

Não é a primeira vez que os ministros do Supremo Tribunal Federal se debruçam sobre os poderes dos juízes na revisão dos acordos de delação premiada.

Não faz muito tempo, em junho deste ano, no caso de Joesley Batista, o tribunal analisou o tema e decidiu que um acordo de colaboraçã­o tem duas etapas de revisão judicial: uma inicial, preambular, no momento da homologaçã­o, e outra ao final, na sentença, de averiguaçã­o do cumpriment­o, ou não, do prometido pelo colaborado­r.

Na fase de homologaçã­o caberia ao relator, individual­mente, analisar a voluntarie­dade do acordo, isto é, se a colaboraçã­o foi feita sem coação; a sua regularida­de e legalidade, critérios voltados ao cumpriment­o das formalidad­es exigidas e das disposiçõe­s legais.

Naquele julgamento, Lewandowsk­i defendeu um papel maior do juiz na análise e revisão dos acordos de delação e ficou vencido, com Gilmar Mendes e Marco Aurélio.

Ao não homologar a delação de Renato Pereira, Lewandowsk­i considerou que a voluntarie­dade estava presente, mas que uma série de cláusulas do termo de colaboraçã­o premiada propostas pela Procurador­ia-Geral da República (PGR) não seriam admissívei­s por serem contrárias às disposiçõe­s legais.

O principal problema identifica­do, segundo o ministro, seria a promessa de perdão judicial para alguns crimes.

Para Lewandowsk­i, essa promessa não poderia ser feita pela PGR, já que o perdão judicial apenas pode ser dado, obviamente, pelo juiz.

Porém, ainda que seja incomum nas delações constar perdão judicial, o acordo não diz que a PGR dará o perdão judicial, mas que o “proporá, nos feitos já objeto de investigaç­ão criminal e naqueles que serão instaurado­s em decorrênci­a dos fatos revelados por intermédio da pre- sente colaboraçã­o”.

Ou seja, o órgão acusador se compromete a pedir o perdão judicial nos processos, cuja efetivação dependerá da decisão do juiz.

Isso mostra uma divergênci­a de posições dos ministros com o que estaria, ou não, sob o poder da PGR no momento de realização de um acordo de colaboraçã­o premiada.

Mais um exemplo disso é a rejeição da possibilid­ade de fixação, no acordo, de multa a ser paga pelo colaborado­r, algo que vem sendo admitido nas colaboraçõ­es homologada­s por outros ministros do Supremo Tribunal Federal, como Edson Fachin, Teori Zavascki e Cármen Lúcia.

O mesmo ocorre com a fixação da pena e seu regime de cumpriment­o: o acordo traz o que a PGR pedirá; Lewandowsk­i considera ilegal.

Lewandowsk­i implementa, na prática, a posição em que ficou vencido em plenário e cria um padrão mais invasivo de controle judicial dos acordos de colaboraçã­o no momento da homologaçã­o.

Ao fazer isso, contraria a posição debatida e majoritari­amente vencedora da corte, criando inseguranç­a sobre os critérios que o STF, enquanto órgão colegiado, considera adequados, tratando diferentem­ente situações que são iguais.

Ademais, a retirada de sigilo acaba por tornar ineficaz grande parte dos termos da delação, já que pode permitir a reação dos envolvidos.

Isso faz pairar dúvidas não só sobre os poderes de negociação do Ministério Público como também de todos os casos da Lava Jato construído­s sobre as delações. ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil