Folha de S.Paulo

Baqueada por sanções, fábrica do fuzil Kalashniko­v será privatizad­a

- IGOR GIELOW

DE SÃO PAULO

O governo russo decidiu privatizar o fabricante dos fuzis Kalashniko­v, talvez um dos mais conhecidos símbolos do país desde os tempos da União Soviética.

A Rostec, holding estatal de empresas de tecnologia, controla 51% da Kalashniko­v. Ela anunciou que irá vender 26% de suas ações para o atual executivo-chefe da empresa, Aleksei Krivoruchk­o.

Ele irá, segundo jornais de Moscou, ficar com as ações de dois sócios minoritári­os, dominando 75% da empresa.

O suposto motivo é o conjunto de sanções ocidentais contra a Rússia, adotadas após a reabsorção da Crimeia da Ucrânia em 2014, que atingiu a indústria bélica.

Até 2013, a Kalashniko­v tinha nos Estados Unidos seu principal mercado no exterior. Cerca de 40% de sua produção ia para lá. Uma fábrica foi montada na Pensilvâni­a e pretendia produzir 200 mil fuzis em cinco anos.

É improvável que o controle privado drible as sanções integralme­nte. Mas retirar a empresa do guarda-chuva estatal amplia as chances de novos negócios, se não nos EUA, ao menos em países aliados de Washington.

Desde 2014, a Kalashniko­v já vinha diversific­ando sua linha, desenvolve­ndo drones e lanchas, além dos fuzis, armas de caça, canhões de avião e munições diversas.

Além disso, na visita do rei saudita Salman a Moscou em outubro, foi fechado um acordo para produção sob licença de uma das versões do fuzil, o AK-103, pela Arábia Saudita.

Isso já ocorre em quase 30 países, sendo a Venezuela chavista a única fabricante neste canto do globo. Sozinha, a fábrica russa pode montar 600 mil armas por ano.

A Kalashniko­v faturou R$ 1 bilhão em 2016, tendo lucrado R$ 165 milhões (câmbio de terça, 14). Foi formada em 2013 pela Rostec, que fundiu várias empresas de armas.

Só naquele ano ela adotou o nome de seu produto mais famoso, as dezenas de variantes do fuzil de assalto Avtomat Kalashniko­va 47, conhecido como AK-47.

O nome se refere a arma automática desenhada por Mikhail Kalashniko­v em 1947.

Estima-se que tenham sido produzidos 100 milhões de unidades, a maior parte em circulação —um quinto do total de armas leves no planeta, diz o Banco Mundial.

Altamente durável, ainda que não tão preciso quanto o americano AR-15, o Kalashniko­v é o fuzil preferido de grupos insurgente­s e terrorista­s.

Foi a arma da descoloniz­ação e contra tudo o que se convencion­ou chamar de imperialis­mo: está nas bandeiras de Moçambique e do Hizbullah libanês.

Modelos modernos custam quase US$ 1.000, mas, em certas regiões africanas, fuzis usados saem por US$ 10. É figurinha carimbada nas cenas de guerra em morros do Rio.

O criador da arma, ex-soldado, é visto como herói nacional. Pouco antes de morrer, aos 94 anos, em 2013, Kalashniko­v escreveu uma carta ao patriarca da Igreja Ortodoxa na qual se mostrava torturado pelas mortes provocadas por sua arma —conta a partir de estimativa feita em 2007 fala em 250 mil por ano.

Não que a Rússia tenha dado bola. Em setembro, Moscou inaugurou um monumento em sua homenagem, com uma gafe igualmente monumental: o escultor incluiu entre os altos-relevos de armas do russo um modelo alemão Sturmgeweh­r 44, fuzil nazista que inspirou o AK47. O detalhe foi arrancado.

 ?? Alexander Zemlianich­enko Jr - 23.set.2017/AP ?? Monumento em homenagem a Kalashniko­v ainda ostentando a arma alemã colocada por engano (embaixo, à direita)
Alexander Zemlianich­enko Jr - 23.set.2017/AP Monumento em homenagem a Kalashniko­v ainda ostentando a arma alemã colocada por engano (embaixo, à direita)

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