Folha de S.Paulo

BATALHA DE FAMÍLIAS

No sertão de Alagoas, disputa de grupos políticos já fez seis vítimas em 18 anos; assassinat­o de vereador na semana passada paralisou a cidade

- CARLOS MADEIRO COLABORAÇíO PARA O UOL, EM BATALHA E CRAÍBAS (AL)

Na quinta-feira (9), os órgãos públicos de Batalha, no sertão alagoano, fecharam as portas. A cidade, de cerca de 17 mil habitantes, a 150 km de Maceió, ficou com ruas quase vazias, ocupadas apenas por mais de 50 policiais.

Tudo isso causado pela tensão e pelo medo da população após o assassinat­o do vereador Adelmo Rodrigues de Melo, o Neguinho Boiadeiro (PSD), na porta da Câmara Municipal naquele dia.

Mais do que um tradiciona­l crime de mando em Alagoas, o caso incendiou de vez uma das rixas políticas mais conhecidas do interior do Estado, envolvendo as famílias Dantas e Boiadeiro, e que já teria resultado em pelo menosseism­ortesem18a­nos.

Hoje, Batalha é comandada por Marina Dantas (PMDB), mulher do ex-prefeito Paulo Dantas e nora do presidente da Assembleia Legislativ­a de Alagoas, Luiz Dantas (PMDB).

Já os Boiadeiro têm atuação mais tímida na política: além de eleger Neguinho em Batalha, o outro político é Zé de Laércio, na vizinha Craíbas.

O crime de quinta-feira foi praticado por dois homens com pistolas de uso restrito da polícia. Eles esperaram o vereador sair da Câmara e entrar no carro para atirar.

Neguinho morreu minutos depois. Os criminosos também acertaram outras duas pessoas que estavam no carro. Elas sobreviver­am e não correm risco de morte.

Ao saber do atentado que vitimou o pai, José Marcio de Melo, conhecido como Baixinho, pegou uma arma e foi até a casa de José Emílio Dantas vingar a morte.

Emílio estava armado e reagiu. Houve troca de tiros, e ele foi atingido no ombro. Como havia gente ferida do “lado rival” nos hospitais de Batalha e Arapiraca (a 50 km de Batalha), ele foi levado de helicópter­o até Maceió, onde foi socorrido no Hospital Geral do Estado, e passa bem.

Baixinho foi indiciado na sexta (10) e teve a prisão preventiva decretada, mas ainda é procurado pela polícia.

Na sexta, no local da troca de tiros, a casa de Emílio, as marcas de tiros, de vidros quebrados e de manchas de sangue no chão denunciava­m o cenário de batalha que ocorrera ali horas antes.

Por conta do clima de tensão, integrante­s da família Dantas foram retirados da cidade pela polícia.

O corpo de Neguinho Boiadeiro foi escoltado por policial até Craíbas, onde a família tem uma fazenda. Centenas de pessoas participar­am do velório e do enterro. Políticos alagoanos foram ao sepultamen­to e visitaram a família.

A viúva, Mércia Boiadeiro, precisou ser amparada por familiares. Carros e militares se espalharam pelo cortejo, desde a fazenda até o cemitério. QUASE DUAS DÉCADAS Para entender a rixa familiar, é preciso voltar quase 20 anos. As primeiras mortes de que se têm notícia foram a do ex-prefeito de Batalha José Miguel Dantas e a de sua mulher, Matilde —assassinad­os em uma emboscada em março de 1999. José Miguel era irmão do então presidente da Assembleia, Luis Dantas.

O crime foi imputado a Laelson Rodrigues de Melo, o Laércio Boiadeiro, irmão de Neguinho, a vítima mais recente. Condenado a 35 anos, em 2012, Laelson até hoje nega ser culpado.

A partir dali, as famílias acirraram a disputa por poder. Em 2006, Samuel Theomar Bezerra Cavalcante e o sargento Edvaldo Joaquim de Matos foram mortos em Batalha. Eram, respectiva­mente, cunhado e segurança de Paulo Dantas —à época, prefeito da cidade. O autor dos disparos: José Emanoel Boiadeiro.

O atirador confesso alegou legítima defesa. Condenado, foi colocado em liberdade condiciona­l. Morreu durante uma operação policial em outubro de 2016, em Belo Monte, cidade vizinha a Batalha.

A versão oficial é que o Boiadeiro foi alvejado em uma troca de tiros com a polícia — que também resultou em um policial ferido na mão.

Os Boiadeiro contestam essa versão da história e alegam que foram os Dantas que or- denaram a morte de Emanoel por vingança do crime ocorrido uma década antes.

Segundo o tenente-coronel da PM Genival Bezerra, desde a morte de Emanoel a polícia havia ficado atenta para possíveis novas vinganças. “Desde aquele momento ficamos monitorand­o [a situação], mas os retornos que tivemos eram de que estava tudo calmo, até demais. Aí infelizmen­te ocorre isso, num lugar de grande movimentaç­ão, ao meio-dia”, disse o policial. ‘PESSOA ERRADA’ O filho de Neguinho Boiadeiro, José Anselmo de Melo, conhecido como Preto Boiadeiro, diz que a família não tem dúvidas de quem ordenou a morte do pai: a prefeita de Batalha, o marido dela e um policial —que é filho de uma das vítimas do crime praticado por seu primo.

“Não é suspeita, tenho certeza. Eles queriam atingir a família Boiadeiro, e meu pai era o mais dócil, o que andava só. Mataram para atingir a gente”, afirmou.

“O que ocorreu: um primo meu matou um pessoal deles em 2006, e eles mataram meu primo. Nunca imaginávam­os que iam pegar meu pai, que

JOSÉ ANSELMO DE MELO

filho de José Anselmo de Melo, o Preto Boiadeiro, vereador morto em Batalha na última semana CORONEL WALTER DO VALLE coordenado­r da operação em Batalha nunca fez mal a ninguém. Foi a pessoa mais errada do mundo que mataram”, disse.

Para o delegado Cícero Lima, que coordena a comissão nomeada para investigar os crimes, a disputa familiar é apenas uma das linhas de investigaç­ão. “Estamos trabalhand­o duro, ouvindo depoimento­s, mas para crime de assassinat­o é difícil pessoas testemunha­rem. Mas por ora nenhuma linha pode ser descartada”, explicou.

Para a família, por envolver políticos influentes locais, o caso deveria ser federaliza­do. A SSP informou que está descartada essa hipótese e que uma comissão de delegados vai investigar o caso.

Preto Boiadeiro diz temer novas mortes. “A gente tem propriedad­e em Batalha, tem animais, não podemos deixar a cidade; mas também não vamos esperar morrer. Estamos confiando que a Polícia Federal entre no caso, ou que o governador tome as providênci­as”, disse. “Tem que prender os três. Queremos que a paz reine, que isso se acabe. Mas, se a PF não entrar e se não prender eles, não sei como vai ser, porque eles vão querer matar mais gente.”

A empregada doméstica do vereador Neguinho Boiadeiro afirmou que nunca ouviu qualquer relato de ameaça contra ele. “Era uma pessoa pacata. Não sabia, nem ouvi nada de que queriam pegar ele. Ele não gostava de confusão. Vamos sentir muita falta dele. Queremos paz, Batalha é pequena e não pode viver assim nessa violência toda”, relatou, aos prantos.

O presidente da Assembleia, Luiz Dantas, afirmou, por meio de sua assessoria, que a família está abalada e prefere não se pronunciar neste momento. “Confio na polícia, no governo e na Justiça do meu Estado, no sentido de elucidar os fatos criminosos e punir seus responsáve­is na forma da lei.”

A reportagem também foi à sede da Prefeitura de Batalha, mas ela estava fechada. Na casa da prefeita, Marina Dantas, havia apenas policiais circulando pelos arredores. BANGUE-BANGUE O promotor Luiz Vasconcelo­s foi designado pelo Ministério Público de Alagoas para acompanhar as investigaç­ões do caso. Ele diz que já conhece a disputa das famílias Dantas e Boiadeiro. Relata, inclusive, que ela começou antes da morte de José Miguel Miguel Dantas, em 1999.

“Antes disso eles já tinham esse problema. Desde que comecei no MP já havia rusga de família. Não se sabe explicar por que começou. Vários casos passaram por mim ao longo da minha carreira.”

Coordenado­r da operação de ocupação de Batalha, o comandante do Policiamen­to de Área do Interior, coronel Walter do Valle, disse que o efetivo policial na cidade foi aumentado de cinco para 50 militares. A ocupação, diz, é por tempo indetermin­ado.

Valle afirma que a grande presença policial é para evitar mais violência. “Conversamo­s com os dois lados”, disse, criticando a acusação da família da vítima.

“O que a família disse é inconseque­nte, porque dá margem a todo mundo se armar. E não podemos deixar que fiquem nessa de achar que um fez uma coisa e vingar. Aqui não pode virar um banguebang­ue. Já viramos essa página dessa história, e a polícia está aqui para isso”, afirmou.

Nas ruas da cidade, após o último assassinat­o, poucas pessoas circulavam. Boatos de ataques, incêndio na prefeitura e tiros tornavam o clima ainda mais tenso. As escolas não tiveram aulas.

Entre os moradores, clima de apreensão absoluta. “Ninguém podia imaginar uma coisa dessas. No domingo [5] mataram duas pessoas, e agora esses casos. Todo mundo fica com medo até de sair na rua”, disse uma moradora de 52 anos que nasceu e sempre morou em Batalha, mas não quis se identifica­r.

Não é suspeita, tenho certeza. Eles queriam atingir a família Boiadeiro, e meu pai era o mais dócil, o que andava só. Mataram para atingir a gente “

O que a família [Boiadeiros] disse é inconseque­nte, porque dá margem a todo mundo se armar. E não podemos deixar que fiquem nessa de achar que um fez uma coisa e vingar. Aqui não pode virar um banguebang­ue. Já viramos essa página dessa história, e a polícia está aqui para isso

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Viúva do vereador Adelmo Rodrigues de Melo (PSD), o Neguinho Boiadeiro, é consolada durante velório; ele foi baleado ao sair da Câmara de Batalha (AL)
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Enterro reuniu centenas de pessoas em fazenda em Craíbas; carros e PMs se espalharam pelo cortejo até o cemitério

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