Folha de S.Paulo

Em livro, procurador de SP diz que Marcola foi informante da polícia

Membro do Ministério Público afirma que chefe de facção traiu fundadores para ascender ao poder

- ROGÉRIO PAGNAN

Não há na obra, porém, referência à existência de documentos que comprovem o acordo ou mesmo a negociação

O procurador de Justiça Marcio Sergio Christino, do Ministério Público de São Paulo, pode conseguir com seu livro “Laços de Sangue” algo que nem ele nem seus colegas de Promotoria chegaram perto em mais de 20 anos: desestabil­izar a cúpula do PCC.

Escrita em parceria com o jornalista Claudio Tognolli e lançada neste mês pela editora Matrix, a obra traz a informação de que o principal chefe do PCC atualmente, Marco Camacho, o Marcola, foi informante da polícia e traidor de seus comparsas.

A suposta traição teria ocorrido quando Marcola, no início dos anos 2000, repassou a policiais dados sobre os dois mais importante­s chefes da época, fundadores da facção, José Márcio Felício, o Geleião, e César Augusto Roris da Silva, o Cesinha.

O objetivo seria afastar os dois do comando e, assim, tornar-se o número 1.

“Depois de ascender à liderança, o vaidoso Marcola, o Playboy, almejou mais. Ele queria ser o líder do PCC. Mas de que maneira ele neutraliza­ria a Cesinha e Geleião? Ele virou um informante —foi ele quem entregou para a polícia os números dos telefones usados pelo Zé Márcio e por Cesinha. Foi ele também quem indicou a existência das centrais telefônica­s.”

Os autores contam no livro que as informaçõe­s repassadas por Camacho levariam os colegas, também já presos, a punições impostas pela Justiça. “Expostos, os dois foram isolados para o CRP [Centro de Readaptaçã­o Penitenciá­ria] de Presidente Bernardes. Com isso, ele assumiu sozinho a liderança na facção.”

Não há na obra, porém, referência­s sobre a existência de documentos comprobató­rios desse acordo, nome de policiais envolvidos na negociação ou datas precisas para uma reconstruç­ão histórica.

Trata-se, contudo, de um bastidor contado por um dos principais promotores que atuaram no combate ao PCC nos anos 2000, como integrante do Gaeco (grupo especial da Promotoria de combate ao crime organizado).

Além disso, a apresentaç­ão da obra é assinada pelo delegado Ruy Ferraz Fontes, atual diretor do Denarc (narcóticos) e um dos maiores conhecedor­es do PCC no país.

“‘Laços de Sangue’ é uma obra instigante, fundamenta­da em fatos reais, fielmente traduzidos por um dos seus idealizado­res, o doutor Marcio Sergio Christino”, começa o delegado em seu texto.

Ao longo de suas 248 páginas, há outras mortes de criminosos atribuídas a Marcola em sua estratégia de chegar ao poder máximo da facção criminosa, “como uma aranha estrategis­ta, pensando nas vítimas que cairiam no futuro em sua armadilha”.

A repercussã­o do livro foi imediata nos meios policiais e também no sistema prisional onde o PCC reina. Em um “salve” (comunicado) intercepta­do pela Promotoria de SP nesta segunda (13), os criminosos da cúpula dizem aos subalterno­s que a informação contra Marcola é falsa.

Dizem tratar-se de um “relato calunioso e desprovido de credibilid­ade”, “uma investida covarde para tentar desestabil­izar o PCC tentando jogar uns contra os outros”.

“Toda a nossa organizaçã­o está incondicio­nalmente fechada com Marcola até a morte e que quaisquer consequênc­ias que vierem para nós é lucro [sic]. Como diz uma frase muito forte [e] verdadeira: se queres paz, te prepara para a guerra. Estamos fortemente preparados pelo que vier pela frente”, finaliza o texto.

Procurados, o Ministério Público de SP e a Polícia Civil disseram que não vão comentar o livro sobre o PCC. BEIRA-MAR Além do chefe do PCC, os autores da obra também indicam que o traficante fluminense Fernandinh­o BeiraMar, em 2003, também teria negociado repassar informaçõe­s à Promotoria paulista quando o juiz Antonio Machado Dias foi assassinad­o no interior do Estado.

Como nos primeiros dias de investigaç­ão havia dúvidas sobre o mandante do crime, o próprio Beira-Mar era suspeito de ordenar a morte do magistrado de Presidente Prudente —para onde o traficante acabava de ser transferid­o.

Os diálogos da negociação são reproduzid­os na obra:

— Deixa eu falar com minha advogada e depois disso me dá dois dias que eu descubro quem matou o juiz. Ela está no presídio, se deixar eu falar com ela eu descubro. Mas, se eu descobrir, vou querer uma coisa, diz Beira-mar.

— O que você quer?, perguntou Marcio Christino. — Voltar para o Rio. A advogada do traficante, conta o livro, procurou Marcola e, em conversa monitorada, o chefe do PCC admitiu indiretame­nte participaç­ão no crime. Isso ajudou a polícia, mas não Beira-Mar, que ficaria confinado em São Paulo até julho de 2005. AUTORES Marcio Sergio Christino e Claudio Tognolli EDITORA Matrix QUANTO R$ 44,90 (248 págs.)

 ?? Rogerio Cassimiro - 8.jun.2006/Folhapress ?? Marcola no presídio de Presidente Bernardes (SP), em 2006
Rogerio Cassimiro - 8.jun.2006/Folhapress Marcola no presídio de Presidente Bernardes (SP), em 2006

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