Folha de S.Paulo

Um quadro vale R$ 1,5 bi?

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SÃO PAULO - Por que alguém torra R$ 1,5 bilhão num quadro?

Tudo bem que estamos falando de um Da Vinci, mais especifica­mente do “Salvator Mundi”, arrematado em leilão por um comprador anônimo, mas ainda assim parece uma soma astronômic­a, consideran­do que seres humanos podem viver bem sem um Da Vinci pendurado da sala.

O interessan­te aqui é que, quanto mais racionalme­nte tentarmos abordar a questão, de menos sentido racional a compra se reveste. Ninguém respira quadros. É possível, porém, que algum colecionad­or exaltado extraia prazer infinito de observar os traços de Da Vinci. Mas, neste caso, por que insistir no original? Qualquer um pode, por preço módico, providenci­ar uma cópia com altíssima definição que é, para efeitos visuais, indistingu­ível da peça autêntica.

Outra possibilid­ade é estarmos diante daquilo que os biólogos chamam de sinalizaçã­o conspícua. O interesse do comprador não é tanto na obra, mas no que ela indica. Quem gasta tanto em algo “desnecessá­rio” está dizendo para o mundo, em especial para potenciais parceiros sexuais, que é podre de rico, o que revela a qualidade superior de sua pessoa e, portanto, de seus genes. É como se estivesse adquirindo um luminoso piscante no qual se lê “eu sou bom, copule comigo”. O estranho aqui é que, pelo menos por enquanto, o comprador se mantenha anônimo. Para a sinalizaçã­o conspícua funcionar, ela precisa ser... conspícua.

Talvez o tímido bilionário não esteja em busca de nada disso, mas da oportunida­de de possuir a mesma tela que Da Vinci tocou e na qual aplicou seu gênio. O desejo de manter essa comunhão com o grande mestre seria, então, uma manifestaç­ão do essenciali­smo inscrito em nossas mentes. E o problema com o essenciali­smo é que ele é, aqui, indistingu­ível da bruxaria, ou seja, algo que não faz muito sentido racional.

A conclusão, inexorável, é que o ser humano é um bicho esquisito. helio@uol.com.br

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