Folha de S.Paulo

O ESQUEMA DE CABRAL

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Chamou a atenção do deputado Marco Antônio Cabral o pedido de seu pai, o ex-governador Sérgio Cabral, (PMDB) na véspera do interrogat­ório do último dia 23.

Em vez do blazer e da camisa branca com que depôs nas cinco vezes anteriores, pediu uma camisa azul clara que costumava usar em inauguraçõ­es de obras.

O traje é uma espécie de uniforme de “políticos modernos”. No lugar do blazer ou terno, a camisa com a manga dobrada até o cotovelo tenta passar, segundo marqueteir­os, uma imagem de pessoa trabalhado­ra, ativa e próxima do cidadão comum.

Ele voltou a usá-la no interrogat­ório em que teve um entrevero com o juiz Marcelo Bretas e só não foi parar no presídio federal de Campo Grande (MS) graças a uma liminar do ministro Gilmar Mendes, do STF.

Quem já trabalhou com o governador viu na camisa azul mais um indicativo de que Cabral tem preocupaçõ­es para além das acusações de que é alvo. Entendeu o gesto como demonstraç­ão de que o governador quer preservar também sua imagem de liderança e o próprio governo.

O peemedebis­ta completa nesta sexta (17) um ano preso. Já foi alvo de 16 denúncias, que somam propinas de quase R$ 400 milhões.

Acumula três condenaçõe­s e 72 anos —uma delas, de 45 anos, a maior da Lava Jato. Um sem número de investigaç­ões seguem em curso.

“Ele não pode deixar a obra dele virar esses 16 processos. Os depoimento­s dele, mal ou bem, fazem parte da história. Não são só uma defesa sobre o mérito dos processos, mas também uma defesa histórica de quem foi Sér- gio Cabral”, afirmou o filho.

A estratégia já gerou até repreensão do juiz. “Não podemos transforma­r isso aqui em algum tipo de palanque.”

“Não quero palanque. Já tive muitos palanques eleitorais e graças a Deus muito bem sucedidos aqui no Rio”, respondeu o ex-governador. As denúncias contra o ex-governador do Rio e como ele operava

Cabral vem repetindo que não cobrou 5% de propina sobre contratos, mas que fez uso pessoal de sobras de caixa dois de campanha. Embananou-se, porém, ao explicar porque seu “homem da mala” Luiz Carlos Bezerra trabalhou ininterrup­tamente, in- clusive em anos ímpares — sem disputa eleitoral.

Inicialmen­te, não reconheceu a atuação constante do exassessor. Depois, disse que, mesmo em ano não-eleitoral, recebia para pré-campanhas ou dívidas com fornecedor­es.

O procurador Sérgio Pinel quis saber por que ele pedia mais caixa dois, mesmo com recursos sobrando para comprar joias e outros bens. O peemedebis­ta declarou que os empresário­s não sabiam a destinação final do dinheiro.

O coordenado­r da Lava Jato do Rio, Eduardo El Hage, ALTIVO 318,5 estima ao menos mais dois anos de investigaç­ões. “Cada colaborado­r que nos aparece abre novas investigaç­ões. A cada passo, há um cresciment­o exponencia­l de frentes de trabalho”, afirmou.

O banco dos réus nem sempre foi um “palanque” para Cabral. Até maio deste ano, ele só respondia aos questionam­entos da defesa. Em algumas vezes, de forma quase monossiláb­ica.

Em julho, sua estratégia mudou: o novo advogado, Rodrigo Roca, estimulou uma atitude mais altiva. Cabral também se adaptou à cadeia.

Ele trabalha na biblioteca da Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, zona norte do Rio. Quando sai da cela, costuma atrair rodas de conversas. Puxou até uma salva de palmas para o expresiden­te da Rio-16 Carlos Arhtur Nuzman quando foi preso. “Este é o homem que trouxe a Olimpíada para o Rio”, disse. Já participa até do bolão do Brasileirã­o dos presos da Galeria A.

Há algumas semanas, recebeu uma caixa de apostilas para um curso de jardinagem. Chegou assim que ele terminou o de espanhol à distância.

Nos tempos vagos, lê os livros da biblioteca em que trabalha para redução da pena. Já resenhou “O alquimista”, de Paulo Coelho, e “Nunca desista de seus sonhos”, de Augusto Cury, o que também diminui em quatro dias a pena.

Relatos de mordomias não faltaram. Há um mês, um home theatre foi instalado na cadeia e retirado após o pastor que declarara ter doado o equipament­o dizer ter sido coagido pelo ex-governador.

O peemedebis­ta é também investigad­o sob suspeita de financiar um dossiê contra Bretas, o que ele nega.

Dentro da cadeia, já sofreu ataques. No mês passado, foi abordado pelo inspetor César Dória, conhecido por atuar em manifestaç­ões de servidores, dentro da cadeia.

“O preso foi enquadrado da forma mais natural possível. Emiti uma ordem para que o interno viesse a mim. Ele titubeou, depois se aproximou, e eu falei para ele tudo aquilo que o cidadão fluminense quer falar para ele: ‘Marginal, ladrão, cadê o 13º dos servidores”, disse Dória.

A Secretaria de Administra­ção Penitenciá­ria instaurou procedimen­to administra­tivo contra o inspetor.

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