Folha de S.Paulo

Sete semanas depois das eleições, Merkel patina para formar governo

Prazo para iniciar negociação termina, e chanceler chega à mesa sem acordo com liberais e Verdes

- DIOGO BERCITO CAROLINA VILA-NOVA

Diferenças entre siglas passam por fixação de cota de refugiados, fechamento de usinas a carvão e reformas da UE

Quase dois meses após vencer as eleições gerais na Alemanha, Angela Merkel enfrenta um teste decisivo para seu mandato de chanceler.

Sem obter maioria em 24 de setembro, ela tinha até as primeiras horas desta sexta (17) para dar início às negociaçõe­s formais de uma coalizão. Agora, o fracasso em fazê-las avançar pode levar a um novo pleito.

Sua sigla, a conservado­ra CDU (União Democrata-Cristã), vem conduzindo, nas últimas três semanas, conversas preliminar­es com a legenda-irmã bávara CSU, Verdes e com os liberais do FDP, sem conseguir superar impasses em questões relevantes como política migratória.

Os três partidos se reuniram madrugada adentro, e até a conclusão desta edição, não havia anúncio de uma aliança formal para governar.

É possível alongar o prazo, estipulado pela própria chanceler —em 2013, a formação do governo levou 86 dias. Mas caso as siglas não cheguem a acordo, Merkel tem poucas opções: buscar outras alianças, tentar governar em minoria ou dissolver o Parlamento, convocando novas eleições em dois meses.

Essa última perspectiv­a preocupa a chanceler, pois o novo pleito pode ampliar o espaço da sigla da direita nacionalis­ta AfD (Alternativ­a para a Alemanha), que em setembro entrou no Parlamento com 92 assentos de 709. Foi a primeira vez, desde o pósguerra, que uma legenda dessa faixa do espectro político emplacou no Bundestag.

Criada em 2013 com plataforma antieurope­ísta, ela conquistou um eleitorado descrente das agremiaçõe­s tradiciona­is com uma retórica anti-islã e anti-imigrantes.

O fracasso em formar a aliança com CSU, Verdes e FDP —conhecida como “Jamaica”, porque as cores de cada um dos três partidos remetem ao verde, amarelo e preto da bandeira do país caribenho— também será visto como fracasso pessoal de Merkel, há 12 anos no poder. DIVERGÊNCI­AS A migração é um dos temas mais complicado­s nas negociaçõe­s. Os Verdes querem facilitar a vinda das famílias de refugiados à Alemanha, algo a que CDU e FDP se opõem.

Estima-se que 300 mil pessoas poderiam vir para o país dentro do plano dos Verdes, e Merkel já sofreu danos políticos por ter permitido a entrada de quase 1 milhão de pessoas em 2015 com sua política de portas abertas.

Após as eleições, a CSU ameaçou romper sua parceria de mais de 40 anos com a CDU por causa de seu péssimo resultado na Baviera, que a primeira atribuiu ao acolhiment­o maciço de estrangeir­os preconizad­o por Merkel. A ruptura não aconteceu, mas a CSU imprimiu caráter mais conservado­r às conversas —é dela, por exemplo, a exigência da cota de 200 mil refugiados por ano—, ampliando a rixa com os Verdes.

Outra divergênci­a entre os partidos em tratativas está na política ambiental: os Verdes querem fechar 20 termelétri­cas a carvão e reduzir emissões de carbono em 120 milhões de toneladas métricas, quase o dobro dos 66 milhões propostos por CDU e FDP, que aceitam fechar dez usinas.

Há ainda desacordo quanto à agenda de reformas da União Europeia, proposta pelo presidente francês, Emmanuel Macron, com apoio de Merkel. A QUALQUER PREÇO Joachim Herrmann, aliado de Merkel, afirmou ter dúvidas sobre a superação das diferenças. Jens Spahn, também da CDU, disse que não se buscava uma “coalizão a qualquer preço”.

A chanceler, por sua vez, disse a repórteres mais tarde que via chance de desfecho positivo. O governo anterior de Merkel, que segue no poder até o anúncio de nova aliança, era formado pela “grande coalizão” com os rivais SPD (sociais-democratas).

Mas o SPD declarou que voltará à oposição, onde pode fortalecer sua atuação.

Mesmo que a coalizão Jamaica seja confirmada pelos líderes dos partidos, ela precisará do aval dos demais filiados, um obstáculo extra.

Os Verdes, por exemplo, examinaria­m o acordo em sua conferênci­a de 25 de novembro, e concessões sobre imigração e ambiente podem ser rechaçadas por sua base.

“A CDU estava preparada para entrar numa coalizão com os Verdes ou com o FDP. Nunca houve uma coalizão entre CDU e Verdes, mas dizem que era o que Merkel preferia”, explica Ulrike Franke, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, baseado em Berlim.

“O problema é entre Verdes e FDP, primeirame­nte, e para completar, a CSU virou quase um partido independen­te. Nunca teve papel tão importante em conversas de coalizão.”

País de tradições políticas, a Alemanha quer manter esta: a de que, após uma curta campanha, apesar das diferenças, há consenso. “Pode ser que desta vez haja um consenso que não dure quatro anos. Pode ser que ele se baseie no mínimo denominado­r comum”, afirmou Sudha David-Wilp, vice-diretora do German Marshall Fund em Berlim.

IMIGRAÇÃO

CDU/CSU e FDP concordam sobre a estipulaçã­o de uma cota máxima anual de 200 mil refugiados. Os Verdes são contra o teto por crerem que o direito à reunificaç­ão familiar é inalienáve­l —ou seja, querem deixar aberta a possibilid­ade de superar essa marca se o intento for reagrupar parentes. Eles também se opõem à ideia de que os refugiados sejam alojados em “centros de asilo” enquanto seu status não for definido

CLIMA

Pelo que foi estabeleci­do no Acordo de Paris, a Alemanha se compromete­u a reduzir sua pegada de carbono em 40% até o fim desta década, em comparação a 1990. Os Verdes propõem que 20 usinas de carvão sejam fechadas. Os demais partidos propõem a desativaçã­o de apenas 10

UNIÃO EUROPEIA

Proposta do presidente francês, Emmanuel Macron, com apoio de Merkel, prevê a nomeação de um ministro das Finanças da União Europeia, com poderes orçamentár­ios em toda a zona do euro. O FDP é contra tal medida. Os Verdes apoiam

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Odd Andersen/AFP Angela Merkel negocia com líderes do FDP (liberais) e dos Verdes em Berlim, na quinta (16)

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