Folha de S.Paulo

Museu nos EUA traz visão acessível da história bíblica

Centro expositivo usa fatos para sustentar que livro é o mais importante

- PHILIP KENNICOTT

Criada por bilionário­s evangélico­s, instituiçã­o em Washington tropeça ao limitar discussão sobre lapsos da obra

Quando for inaugurado, neste fim de semana, o Museu da Bíblia de Washington estabelece­rá um novo padrão de como os museus nos Estados Unidos misturam entretenim­ento e educação.

O projeto de US$ 500 milhões (R$ 1,65 bilhão) é rico em conteúdo, cheio de tesouros históricos e planejado para atrair público de todas as idades. Ele traz ao setor a sofisticad­a inteligênc­ia de marketing da família Green, do Oklahoma, que fez fortuna com uma rede de lojas para promover causas cristãs.

O que ele faz bem, o faz tão bem ou melhor que qualquer museu do país, e suas falhas, que são importante­s, serão difíceis de detectar por quem não seja acadêmico ou um secularist­a muito dedicado.

A atração é a versão atualizada de um museu à moda antiga: não antecipa ideias avançadas sobre multicultu­ralismo nem se concentra em temas amplos em detrimento da clareza cronológic­a.

O projeto faz um relato franco da história americana através do prisma do livro sagrado, mas de uma maneira que os visitantes provavelme­nte vão achar mais interessan­te e acessível que o denso cozido cultural do Museu de História Americana do Instituto Smithsonia­n.

Ao lidar com as complexida­des da história bíblica, os curadores não economizam fatos ou caem nas generalida­des inúteis de museus mais populistas, embora tenham havido dúvidas sobre a instituiçã­o antes de sua abertura.

A missão inicial da organizaçã­o era explicitam­ente evangélica e, enquanto ela era construída, a família Green fez lobby para a Suprema Corte permitir que entidades religiosas rejeitem medidas contrárias a seus preceitos.

A reputação do museu também foi abalada quando a Justiça condenou a rede de lojas dos Greens a uma multa de US$ 3 milhões por contraband­ear mais de 3.000 antiguidad­es do Iraque.

Hoje o museu parece decidido a se reformular como arquiteton­icamente transparen­te e justo em sua apresentaç­ão. Dos sete andares, dois lidam com o conteúdo da história bíblica e um possui salas imersivas e interativa­s.

Há uma réplica de uma aldeia da época do Novo Testamento, com oliveiras falsas e um mikvah, ou banho cerimonial, e um espaço multimídia com teatros que contam a história antiga judaica.

Mas as exposições tradiciona­is e imersivas partem de princípios não declarados: que a Bíblia é o livro mais importante do mundo, que há evidências concretas e arqueológi­cas para explicar suas origens, que ele foi transmitid­o através dos tempos com uma precisão notável e que é fundamenta­lmente uma bênção para a humanidade.

Discussões sobre seu significad­o são confrontad­as abertament­e e sem preconceit­o, desde que não questionem seus princípios. O andar “Impacto da Bíblia” reconhece o uso das escrituras sagradas para defender a escravidão e a abolição.

O papel das mulheres e o uso do livro para limitar sua posição política e cultural é reconhecid­o, mas não há discussão óbvia de como foi aplicado para oprimir e marginaliz­ar as pessoas LGBT.

Os curadores admitem que a Bíblia foi mal usada, mas se inclinam para o lado positivo de seu impacto. Na exposição sobre a ciência, citam Johannes Kepler para justificar a importânci­a das escrituras para a pesquisa científica e o alinhament­o das ideias bíblicas com a ordem racional.

Quando se trata da verdade literal da Bíblia, as coisas podem ficar escorregad­ias. Há pouca ou nenhuma discussão sobre suas inúmeras contradiçõ­es e lapsos entre as afirmações de que as escrituras têm enorme influência e que suas histórias são fundamenta­lmente verdadeira­s.

Em todo o seu esplendor técnico, o museu traz consigo a ideia de que há uma abrangente história humana que precisa ser contada. É uma ideia entusiasma­nte, e uma ferramenta de enorme poder para se tentar entender o mundo. A menos, é claro, que você não acredite nela. LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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Jacquelyn Martin/Associated Press Acesso à sala do Êxodo no Museu da Bíblia de Washington

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