Folha de S.Paulo

A revolução dos juros

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

O BRASIL convive há décadas com juros extraordin­ariamente elevados, que empurram para cima tanto o custo da dívida pública quanto os encargos que empresas e famílias pagam para ter acesso ao crédito. Há sinais, porém, de que esse período pode estar se aproximand­o do fim.

A distensão da política monetária insinua uma era de transforma­ções positivas para a economia, os negócios e a sociedade em geral raramente vista na história do país.

O mercado de capitais tende a florescer, abrindo às empresas a possibilid­ade de emitir títulos de dívida, como debêntures e commercial papers. O setor privado passaria a contar com alternativ­as ao BNDES e a um sistema bancário altamente concentrad­o e sem estímulo para oferecer condições de financiame­nto mais atraentes.

O mercado de ações segue a mesma tendência. Com juros próximos ao padrão internacio­nal, títulos públicos e aplicações conservado­ras apresentam rentabilid­ade mais modesta, levando parte da poupança nacional a se deslocar para opções de maior risco, como ações e papéis de dívida privada.

Os primeiros sinais desse ciclo virtuoso já aparecem nos dados da Anbima, a associação das entidades do mercado de capitais. Segundo ela, nos primeiros dez meses do ano, as captações das empresas somaram R$ 192 bilhões, 36% acima do mesmo período de 2016.

Vai-se formando o ambiente mais propício ao investimen­to, seja para expansão de operações já estabeleci­das, seja para projetos de maior risco. Essa é a base para promover o empreended­orismo empresaria­l, em especial as start-ups com forte conteúdo inovador e disruptivo.

Os bons ventos trazidos pela redução dos juros deverão espraiarse pela economia como um todo. O custo da dívida pública será menor para as contas do governo, contribuin­do para a redução do deficit total do Orçamento federal (hoje da ordem de 9% do PIB). A necessidad­e de financiame­nto do Tesouro, que absorve 70% da poupança consolidad­a do país, deixa a menor fatia para tudo mais —do funding do cartão de crédito ao custeio dos investimen­tos produtivos. Os juros altos são sintomas destas distorções.

A correção das anomalias permitirá irrigar a economia com mais crédito e facilitar os investimen­tos. Mas, embora promissor, tal cenário ainda está embrionári­o. Para se consolidar, exigirá um grande esforço para rever a lógica de uma economia historicam­ente espremida entre a escassez de crédito com custos e prazos competitiv­os, em relação aos praticados no resto do mundo, e a carência de um mercado de capitais pujante.

Só o equilíbrio nas contas públicas poderá garantir o advento de juros baixos e estáveis tal como ocorre nas economias avançadas e na maioria dos países emergentes, o que demanda, obrigatori­amente, o avanço das reformas estruturai­s, em especial a da Previdênci­a.

Mas juros baixos não induzem, por si só, o cresciment­o econômico. Países com taxas próximas a zero e até negativas, como o Japão, lutam há anos contra a estagnação. No Brasil, o desenvolvi­mento sustentado envolve também a remoção de entulhos, como o nó tributário e o isolamento em relação aos mercados globais, que derrubam a produtivid­ade, desestimul­am a concorrênc­ia e impedem empresas e empreended­ores de transforma­r seus sonhos em negócios promissore­s.

O avanço nessa direção requer novas lideranças que entendam o que precisa ser feito sem ficar à mercê de modelos políticos antiquados, de visões econômicas do passado, de preconceit­os ideológico­s e de interesses predatório­s que nos tem afastado do que é essencial.

Uma Selic próxima ao padrão internacio­nal abrirá um ciclo virtuoso raramente visto na história do país

PEDRO LUIZ PASSOS,

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