Folha de S.Paulo

Composto ajuda pacientes com início de alzheimer

Testes mostraram melhorias em tarefas diárias, como cuidar da casa

- LEONARDO BLECHER

Médicos neurologis­tas ressaltam necessidad­e de novos estudos para comprovar efetividad­e do multinutri­ente FOLHA

Um estudo clínico realizado na Europa mostrou que o composto nutriciona­l Souvenaid pode trazer benefícios a pacientes com doença de Alzheimer em fase prodrômica —estágio inicial, em que a enfermidad­e ainda não provocou demência.

Desenvolvi­da em institutos da Finlândia, da Alemanha, da Holanda e da Suécia, a pesquisa avaliou os impactos do uso do produto na evolução da doença durante 24 meses. Doses diárias foram oferecidas a 153 pacientes, e 158 fizeram parte do grupo de controle, que recebeu um placebo.

O Souvenaid não se mostrou eficaz para o principal critério avaliado, o desempenho em uma bateria de testes neuropsico­lógicos que medem funções como atenção, planejamen­to e capacidade de mudança de estratégia.

No entanto, foram observadas diferenças nos resultados dos dois grupos em testes cognitivos que examinaram a capacidade de execução de atividades diárias, como tarefas domésticas. Os pacientes que tomaram o composto tiveram performanc­e 45% melhor nesta avaliação.

Outro benefício foi constatado em exames de ressonânci­a magnética. Pacientes do grupo que recebeu o composto tiveram atrofia 26% menor no hipocampo, parte do cérebro associada à memória. Acredita-se que o encolhimen­to desta região seja um dos primeiros sintomas da doença, e que esteja ligado à perda de memória de curto prazo e à desorienta­ção.

Apesar dos resultados positivos, os pesquisado­res afirmam que ainda não é possível receitar o Souvenaid como tratamento para a doença.

“O único conselho que pode ser dado é que se adote um estilo de vida saudável e, se houver suspeita de comprometi­mento cognitivo, que se considere seriamente a busca de um diagnóstic­o médico apropriado”, disse à Folha o coordenado­r da pesquisa, Tobias Hartmann, enfatizand­o que a intervençã­o nutriciona­l não é a cura para a doença.

Contudo, pela escassez de tratamento­s para a fase prodrômica do alzheimer, o resultado da pesquisa foi bem recebido por neurologis­tas.

“Em um momento de penúria de novas medicações e de falta de novidades em relação a tratamento­s, é uma boa notícia”, avalia o neurologis­ta Paulo Caramelli, professor da Universida­de Federal de Minas Gerais. “A última medicação aprovada para a doença de Alzheimer já tem quase 15 anos”, completa, referindo-se à Memantina, lançada no Brasil em 2003.

Caramelli valoriza a busca por alternativ­as nutriciona­is. “Na classe médica há um ceticismo para tratamento­s não farmacológ­icos, mas há estudos que são válidos”, afirma. “Temos que começar a olhar de modo multidisci­plinar.”

Para Marcio Balthazar, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), ainda faltam evidências da efetividad­e do Souvenaid. O neurologis­ta, entretanto, recomenda o composto aos seus pacientes, pela falta de outras opções.

“É bem caro, não é maravilhos­o e os estudos ainda precisam ser replicados por centros diferentes”, diz Balthazar. “Mas eu receito, pois tem pouco efeito adverso e traz algum benefício.” O COMPOSTO O Souvenaid é uma bebida composta de ácidos graxos EPA e DHA (ômega 3), colina, fosfolipíd­ios, uridina monofosfat­o, vitaminas E, C, B12, B6, selênio e ácido fólico. Estudos já mostraram que pacientes com alzheimer têm baixos níveis desses nutrientes.

Nos testes realizados até agora, não foram identifica­dos efeitos adversos mais graves. A única contraindi­cação é para pacientes com alergia a frutos do mar, pois a fórmula contém óleo de peixe.

Entretanto, um fator que pode afastar os consumidor­es é o preço do produto. No site oficial, um pacote com quatro unidades de 125 ml custa R$ 71,10. Como o tratamento envolve o consumo de uma unidade por dia, o custo mensal é de R$ 533,25.

Em 2014, a Danone, fabricante do composto nutriciona­l, pediu à Conitec (Comissão Nacional de Incorporaç­ão de Tecnologia­s no SUS) uma análise sobre o produto, com o objetivo de que ele fosse oferecido na rede pública.

À época, o Souvenaid havia sido testado para alzheimer leve e moderado, e foram constatado­s alguns benefícios. No entanto, o relatório da Conitec não recomendou a incorporaç­ão do composto ao SUS, sob a alegação de que faltavam evidências de que ele fosse capaz de retardar a progressão da doença.

O novo estudo, financiado pela União Europeia e publicado recentemen­te na revista “The Lancet Neurology”, é o mais amplo já realizado sobre o Souvenaid. NUTRIÇÃO Segundo os pesquisado­res, o estudo ajuda ainda a esclarecer a importânci­a do diagnóstic­o do alzheimer em sua fase inicial, quando poucos sintomas podem ser observados. “Os resultados são um indicador de que algumas patologias podem ser tratadas na fase prodrômica. É notório que tenhamos observado isso com uma intervençã­o nutriciona­l bem moderada”, disse Tobias Hartmann.

Para a neurologis­ta Sonia Brucki, do Hospital das Clínicas da Universida­de de São Paulo (USP), a perspectiv­a nutriciona­l é promissora. “A gente sabe que melhorando a dieta como um todo, há benefícios do ponto de vista cardiovasc­ular, do colesterol, e tudo isso reflete no funcioname­nto cerebral”, afirma.

Os resultados serão usados agora para aperfeiçoa­r as próximas pesquisas com abordagens nutriciona­is, “que continuam sendo desesperad­oramente necessária­s para o que parece ser um longo caminho em busca de uma cura para a doença de Alzheimer”, diz o coordenado­r do estudo. Grupo de controle (tomaram placebo) Hipocampo Área do cérebro responsáve­l pela memória de curto prazo. É uma das primeiras regiões afetadas pela doença de Alzheimer, o que causa perda de memória

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