Composto ajuda pacientes com início de alzheimer
Testes mostraram melhorias em tarefas diárias, como cuidar da casa
Médicos neurologistas ressaltam necessidade de novos estudos para comprovar efetividade do multinutriente FOLHA
Um estudo clínico realizado na Europa mostrou que o composto nutricional Souvenaid pode trazer benefícios a pacientes com doença de Alzheimer em fase prodrômica —estágio inicial, em que a enfermidade ainda não provocou demência.
Desenvolvida em institutos da Finlândia, da Alemanha, da Holanda e da Suécia, a pesquisa avaliou os impactos do uso do produto na evolução da doença durante 24 meses. Doses diárias foram oferecidas a 153 pacientes, e 158 fizeram parte do grupo de controle, que recebeu um placebo.
O Souvenaid não se mostrou eficaz para o principal critério avaliado, o desempenho em uma bateria de testes neuropsicológicos que medem funções como atenção, planejamento e capacidade de mudança de estratégia.
No entanto, foram observadas diferenças nos resultados dos dois grupos em testes cognitivos que examinaram a capacidade de execução de atividades diárias, como tarefas domésticas. Os pacientes que tomaram o composto tiveram performance 45% melhor nesta avaliação.
Outro benefício foi constatado em exames de ressonância magnética. Pacientes do grupo que recebeu o composto tiveram atrofia 26% menor no hipocampo, parte do cérebro associada à memória. Acredita-se que o encolhimento desta região seja um dos primeiros sintomas da doença, e que esteja ligado à perda de memória de curto prazo e à desorientação.
Apesar dos resultados positivos, os pesquisadores afirmam que ainda não é possível receitar o Souvenaid como tratamento para a doença.
“O único conselho que pode ser dado é que se adote um estilo de vida saudável e, se houver suspeita de comprometimento cognitivo, que se considere seriamente a busca de um diagnóstico médico apropriado”, disse à Folha o coordenador da pesquisa, Tobias Hartmann, enfatizando que a intervenção nutricional não é a cura para a doença.
Contudo, pela escassez de tratamentos para a fase prodrômica do alzheimer, o resultado da pesquisa foi bem recebido por neurologistas.
“Em um momento de penúria de novas medicações e de falta de novidades em relação a tratamentos, é uma boa notícia”, avalia o neurologista Paulo Caramelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. “A última medicação aprovada para a doença de Alzheimer já tem quase 15 anos”, completa, referindo-se à Memantina, lançada no Brasil em 2003.
Caramelli valoriza a busca por alternativas nutricionais. “Na classe médica há um ceticismo para tratamentos não farmacológicos, mas há estudos que são válidos”, afirma. “Temos que começar a olhar de modo multidisciplinar.”
Para Marcio Balthazar, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), ainda faltam evidências da efetividade do Souvenaid. O neurologista, entretanto, recomenda o composto aos seus pacientes, pela falta de outras opções.
“É bem caro, não é maravilhoso e os estudos ainda precisam ser replicados por centros diferentes”, diz Balthazar. “Mas eu receito, pois tem pouco efeito adverso e traz algum benefício.” O COMPOSTO O Souvenaid é uma bebida composta de ácidos graxos EPA e DHA (ômega 3), colina, fosfolipídios, uridina monofosfato, vitaminas E, C, B12, B6, selênio e ácido fólico. Estudos já mostraram que pacientes com alzheimer têm baixos níveis desses nutrientes.
Nos testes realizados até agora, não foram identificados efeitos adversos mais graves. A única contraindicação é para pacientes com alergia a frutos do mar, pois a fórmula contém óleo de peixe.
Entretanto, um fator que pode afastar os consumidores é o preço do produto. No site oficial, um pacote com quatro unidades de 125 ml custa R$ 71,10. Como o tratamento envolve o consumo de uma unidade por dia, o custo mensal é de R$ 533,25.
Em 2014, a Danone, fabricante do composto nutricional, pediu à Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) uma análise sobre o produto, com o objetivo de que ele fosse oferecido na rede pública.
À época, o Souvenaid havia sido testado para alzheimer leve e moderado, e foram constatados alguns benefícios. No entanto, o relatório da Conitec não recomendou a incorporação do composto ao SUS, sob a alegação de que faltavam evidências de que ele fosse capaz de retardar a progressão da doença.
O novo estudo, financiado pela União Europeia e publicado recentemente na revista “The Lancet Neurology”, é o mais amplo já realizado sobre o Souvenaid. NUTRIÇÃO Segundo os pesquisadores, o estudo ajuda ainda a esclarecer a importância do diagnóstico do alzheimer em sua fase inicial, quando poucos sintomas podem ser observados. “Os resultados são um indicador de que algumas patologias podem ser tratadas na fase prodrômica. É notório que tenhamos observado isso com uma intervenção nutricional bem moderada”, disse Tobias Hartmann.
Para a neurologista Sonia Brucki, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), a perspectiva nutricional é promissora. “A gente sabe que melhorando a dieta como um todo, há benefícios do ponto de vista cardiovascular, do colesterol, e tudo isso reflete no funcionamento cerebral”, afirma.
Os resultados serão usados agora para aperfeiçoar as próximas pesquisas com abordagens nutricionais, “que continuam sendo desesperadoramente necessárias para o que parece ser um longo caminho em busca de uma cura para a doença de Alzheimer”, diz o coordenador do estudo. Grupo de controle (tomaram placebo) Hipocampo Área do cérebro responsável pela memória de curto prazo. É uma das primeiras regiões afetadas pela doença de Alzheimer, o que causa perda de memória