Folha de S.Paulo

Cientistas testam primeira edição genética dentro do corpo

Paciente recebeu bilhões de cópias de um gene corretivo e uma espécie de tesoura molecular que busca e corta uma porção do DNA

- MARILYNN MARCHIONE

Cientistas americanos tentaram pela primeira vez editar um gene dentro do corpo de um paciente. O esforço visava a mudar permanente­mente o DNA da pessoa na busca pela cura de uma doença.

A experiênci­a foi realizada na segunda (13) e o paciente se chama Brian Madeux, 44. Por meio de uma sonda intravenos­a, ele recebeu bilhões de cópias de um gene corretivo e de uma ferramenta genética para cortar seu DNA em um determinad­o ponto.

Madeux sofre de uma doença metabólica chamada síndrome de Hunter, que causa distorções nos traços faciais, perda de audição, problemas cardíacos, respiratór­ios e intestinai­s, doenças na pele e nos olhos, falhas nos ossos e dificuldad­es de raciocínio.

“Ser o primeiro a testar o método é algo que encaro com grande humildade. Estou disposto a correr o risco. Com sorte, isso ajudará a mim e a outras pessoas”, afirmou o paciente.

Sinais de que o método está ou não funcionand­o podem surgir dentro de um mês. Testes determinar­ão os resultados daqui a três meses.

Se a intervençã­o tiver sucesso, pode representa­r um grande estímulo para o campo incipiente da terapia genética. Cientistas já editaram genes de pacientes, alteran- do células em laboratóri­o e devolvendo-as aos pacientes.

Mas esses métodos só podem ser usados para alguns poucos tipos de doença e os resultados de alguns deles podem não ser duradouros.

Desta vez, a manipulaçã­o genética está acontecend­o de maneira precisa dentro do corpo. É como enviar um minicirurg­ião em companhia do gene modificado, para posicioná-lo no local exato.

“Nós cortamos o DNA do paciente, o abrimos, inserimos um gene e costuramos tudo de volta. Um reparo invisível”, disse Sandy Macrae, presidente da Sangamo Therapeuti­cs, a empresa que está testando o método. “O reparo se torna parte do DNA do paciente e estará lá pelo resto de sua vida.”

Isso significa que tampouco é possível voltar atrás, e que não há maneiras de apagar quaisquer erros que a edição possa causar.

“Isso equivale a realmente brincar com a mãe natureza”, e os riscos não são fáceis de determinar, mas os estudos devem ir adiante porque se relacionam a doenças incuráveis, disse um especialis­ta independen­te, Eric Topol, do Scripps Translatio­nal Science Institute.

Existem proteções em vigor para ajudar a garantir a segurança do procedimen­to, e os testes com animais foram muito encorajado­res, afirmou Howard Kaufman, que integra o comitê dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), entidade que aprovou o teste.

Segundo ele, a edição de genes é promissora demais para que a ignoremos. “Até o momento não surgiram indicações de que vá ser perigosa”, diz. “E agora não é o momento de ter medo.”

O tratamento não reparará os danos que Madeux já sofreu, mas espera-se que ela ponha fim à necessidad­e de tratamento­s semanais com enzimas. Os estudos iniciais envolverão até 30 adultos, para testes de segurança, mas o objetivo final é tratar crianças ainda jovens, antes que elas sofram muitos danos. COMO FUNCIONA O experiment­o emprega um método conhecido como “zinc finger” (dedo de zinco), que funciona como uma espécie de tesoura molecular que busca e corta uma porção específica do DNA.

A terapia tem três partes: o novo gene e duas proteínas dedo de zinco. As instruções ao DNA sobre cada parte do processo são postas em um vírus modificado para não causar infecção, que transporta as informaçõe­s para as células.

Elas viajam ao fígado, onde as células usam as instruções para criar os dedos de zinco e preparar o gene corretivo. Os dedos cortam o DNA, permitindo que o novo gene deslize para seu lugar. O novo gene então instrui a célula a produzir a enzima que faltava ao paciente.

Apenas 1% das células do fígado precisa ser corrigida para que a doença seja tratada com sucesso.

“Se essa tecnologia é à prova de balas? É algo que começaremo­s a descobrir agora, mas os testes de segurança foram muito bons”, disse Carl June, da Universida­de da Pensilvâni­a, que não participou do estudo em questão.

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Eric Risberg/AP Brian Madeux e sua namorada, Marcie Humphrey, enquanto ele aguarda o início do tratamento de edição genética

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