Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Idiotas não tinham veículos que têm hoje

MINEIRO, QUE LANÇA LIVRO COM SELEÇÃO DE TEXTOS PUBLICADOS NA IMPRENSA, FALA DA DESCRENÇA DIANTE DA SITUAÇÃO POLÍTICA DO PAÍS E DO RIO E DIZ QUE DESISTIU DE ACOMPANHAR MUNDO DIGITAL

- MARCO AURÉLIO CANÔNICO

Desde que seu nome saiu pela primeira vez num texto jornalísti­co —sobre os 30 anos da morte de Noel Rosa, em 4 de maio de 1967, no “Correio da Manhã”—, Ruy Castro, 69, nunca mais parou de escrever para a imprensa.

“Tem 50 anos que eu publico. Nunca pensei em nada na vida que não fosse ser jornalista. Aprendi a ler muito cedo, descobri rapidament­e o fascínio do jornal, aquela coisa de você olhar uma primeira página e saber que os diversos assuntos do mundo estão ali. Queria fazer parte desse universo.”

E o fez em grande estilo, com uma erudição ímpar, um humor sacana e uma linguagem elegante e precisa, como mostram seus trabalhos reunidos em “Trêfego e Peralta 50 Textos Deliciosam­ente Incorretos”, que chega às livrarias nesta sexta (17).

A obra traz uma seleção de artigos, reportagen­s e entrevista­s feitas por Ruy para as dezenas de publicaçõe­s em que trabalhou nessas cinco décadas —além da Folha, onde é colunista atualmente, diários como “O Pasquim”, “Jornal do Brasil” e “O Estado de S. Paulo” e revistas como “Manchete” e “Veja”.

Sua mulher, Heloísa Seixas, escolheu o que entraria no livro, como já fizera em outras coletâneas de textos de Ruy (sobre cinema, música popular, literatura etc.).

“Ela teve total liberdade. A única recomendaç­ão foi que escolhesse as matérias mais RUY CASTRO, 69 escritor e colunista da Folha provocador­as, que provavelme­nte não teriam nem como sair na imprensa hoje.”

Com isso, o leitor encontrará odes ao cigarro e ao cocô, críticas ácidas às feministas e a políticos de esquerda e de direita e desconstru­ções de “heróis” como o papa do jornalismo literário Gay Talese e o escritor beat Jack Kerouac (1922-1969), de “On the Road”.

Tendo entrado na faculdade (de ciências sociais) e no jornalismo em 1967, Ruy tornou-se membro ativo da geração revolucion­ária de 1968 e crê que “o espírito daquela molecagem” caracteriz­a sua vida e sua produção até hoje.

“Era uma maneira de viver, de não olhar para trás. Você não estava preocupado se seu pai cortou a mesada, se sua mãe te trata mal. O mundo estava todo pela frente, aberto para nós. E, na verdade, nunca me livrei disso, nunca evoluí”, diz, rindo.

Ruy certamente não vê valor em medir evolução em termos de familiarid­ade com o mundo digital. “Já desisti de acompanhar. Não tenho nada disso, celular, Facebook, nada. Não adianta eu querer minimament­e me atualizar, daqui a três meses vou estar superado de novo.”

O que ele acompanha regularmen­te na internet é o noticiário, e, em tempos de “fake news”, tampouco tem boa impressão.

“Enquanto a coisa estava só por conta dos jornalista­s profission­ais, você estava em mãos comparativ­amente confiáveis. Agora, não, você tem as redes sociais, com um poder extraordin­ário. Os idiotas sempre existiram, mas eles não tinham os veículos que têm hoje.”

Apesar de execrar o jornalismo dos onlines (“É a pior escrita de todos os tempos”), compara favoravelm­ente a imprensa atual à dos últimos 50 anos.

“É muito melhor, os jornais são mais bem organizado­s, bem-feitos. O ‘hard news’ é mais objetivo e simples.”

Vê efeitos semelhante­s em sua produção. “Eu mudei, escrevo de maneira mais simples. Antigament­e era um exibicioni­smo incontrolá­vel.” O ENTREVISTA­DOR entrevista­s feitas entre 1981 e 1983: com o colunista social Ibrahim Sued, com seu amigo Millôr Fernandes (ambas para a “Playboy”) e com o médico baiano Elsimar Coutinho (para a revista “Status”).

Publicadas em estilo “pingue-pongue”, elas misturam a informalid­ade de um batepapo bem-humorado com a seriedade de um duelo entre entrevista­dor e entrevista­do.

“Dá para perceber ali que o entrevista­dor se preparou para burro. Levei uma pauta, por escrito, com 400 perguntas. O começo das entrevista­s costuma ser um bate-bola simpático. Até que, tendo conquistad­o a confiança do cara, você vai fazendo as perguntas que interessam, de uma maneira que dê impressão de naturalida­de.”

Sem nenhuma naturalida­de, o repórter da Folha se aproveita de uma questão que ele usou com Ibrahim Sued: há alguém que você respeite e considere apto para ser o próximo presidente?

“Não, mas, se você me perguntass­e isso em 1981, 91, 2001, 2011, a resposta seria a mesma. Não consigo imaginar ninguém a quem eu delegasse os poderes para me presidir. Falei isso dos militares, do Tancredo, do Sarney, do Collor, do Itamar, do Fernando Henrique, do Lula, da Dilma e falo hoje do Temer.”

Não seria uma visão por demais niilista? “Olha, não sei se tenho tempo e estômago para ficar pensando diferente. É como se já não fosse mais meu departamen­to.”

Refletindo, tenta explicar a origem de seu estado de descrença atual, que tem nítida relação com a fase calamitosa do Rio que esse mineiro adotou ainda jovem.

“Sempre acreditei numa certa capacidade do Brasil de dar a volta por cima, de superar, como o Rio tem. O Rio teve Brizola, Moreira Franco, Garotinho, a mulher do Garotinho, e sobreviveu a essas calamidade­s todas. Aí vem o Sérgio Cabral e o estrago foi

“acreditei numa capacidade do Brasil de dar a volta por cima. Como o Rio, que sobreviveu a Brizola, Moreira Franco, Garotinho, a mulher dele. Aí vem o Cabral e o estrago foi tão grande que talvez nem o Rio consiga sobreviver

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