Folha de S.Paulo

Aaron Burr

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Os dois enganaram o criador por tempo demasiado para os padrões da época. Thomas Jefferson tinha 83 anos, e John Adams, 90, ao morrerem em 4 de julho de 1826, exatamente no dia que celebrava os 50 anos da Declaração da Independên­cia, escrita por Jefferson. Antes de morrer, Adams exclamou: “Thomas Jefferson sobrevive”, sem saber que o amigo se fora havia poucas horas. Sobrevivia, apenas, a República que ambos ajudaram a inventar.

Não podiam ser mais diferentes, conta Gordon Wood no recente “Amigos Divididos”.

Jefferson pertencia a dois mundos. Erudito e escritor sofisticad­o, tinha o refinament­o e os vícios da elite, dedicou sua vida à causa pública, defendeu a liberdade e admirava a Revolução Francesa, ainda que possuísse escravos. Fascinado por arquitetur­a, sua casa se destacava pelas soluções engenhosas e pela adega memorável de vinhos de Bordeuax. Fundou a Universida­de da Virgínia e propôs um Novo Testamento. Conviveu com duas mulheres. Uma, oficial e branca, morreu cedo. A segunda, escrava e negra, assistiu seus filhos crescerem em meio à liberdade ambígua, em que não se sabiam descendent­es ou propriedad­e. Morreu endividado.

Adams, em retrospect­o, era o mais moderno. Sua atitude ríspida revelava o burguês indignado, dominado por ideais republican­os. Começou na vida pública defendendo soldados britânicos que reagiram com violência a manifestaç­ões igualmente violentas dos colonizado­s. Não conquistou amigos ao defender a justiça. Assim seria pelo resto da vida. A correspond­ência com sua esposa Abigail surpreende pela honestidad­e de um e pela inteligênc­ia da outra. Seu filho foi presidente dos Estados Unidos e combateu a escravidão.

A amizade que compartilh­ava um projeto de país foi rompida pelas circunstân­cias e por divergênci­as sobre a autonomia dos Estados.

Adams foi o segundo presidente americano. Jefferson foi o terceiro. No meio, a tumultuada eleição de 1800. Não havia partidos. O mais votado pelos delegados era eleito presidente; o segundo, vice. A política, porém, já se organizava em grupos e o de Jefferson também apoiou Aaron Burr, que, esperava-se, seria escolhido vice-presidente.

Jefferson e Burr terminaram empatados em primeiro lugar. Nas rodadas seguintes, o grupo de Adams apoiou Burr. O resultado foram 35 votações em que nenhum dos dois obteve maioria. Apenas na 36º Jefferson foi eleito.

Burr foi personagem controvers­a. Traiu a confiança de amigos, matou Alexander Hamilton em um duelo e se envolveu em diversas encrencas.

Jefferson e Adams, reconcilia­dos, trocavam cartas e memórias perto do fim. A amizade dividida, porém, quase resultou na eleição de Burr. Como será por aqui em 2018?

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