Folha de S.Paulo

Na agenda climática

- ANA CAROLINA AMARAL

FOLHA,

Sem contar com o protagonis­mo dos Estados Unidos e sob a presidênci­a de Fiji, a COP-23, a Conferênci­a da ONU sobre Mudanças Climáticas, reviveu as tensões entre os países em desenvolvi­mento e o bloco dos desenvolvi­dos.

O evento, que reuniu delegações de mais de 190 países, teve duas semanas de brigas para evitar retrocesso­s nos compromiss­os para redução de emissões e financiame­nto das ações climáticas, sobrando pouco espaço para conquistas. As negociaçõe­s mais duras acabaram ficando para a COP do ano que vem, na Polônia.

No último dia, Fiji buscou garantir a formalizaç­ão do fundo de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas no âmbito do Acordo de Paris, o que estendeu a conferênci­a até as 4h da manhã deste sábado (17). Além do fundo, a COP aprovou o formato do diálogo que, ao longo do ano que vem, deve encorajar os países a aumentar a ambição nas metas climáticas.

Enquanto os EUA são o maior responsáve­l histórico pelas emissões de carbono no mundo, Fiji figurou neste ano entre os três países mais vulnerávei­s aos efeitos da mudança , de acordo com o ranking da German Watch.

Junto ao grupo das pequenas ilhas, a presidênci­a da COP-23 queria aumentar a ambição nas metas nacionais e o comprometi­mento com fundos para adaptação ao clima e compensaçã­o por perdas e danos.

Mas a ausência americana contribuiu para o receio e a desconfian­ça dos países em melhorar seus compromiss­os.

Segundo um dos negociador­es ouvidos pela reportagem, os países estão fazendo suas contribuiç­ões ainda sob a expectativ­a de que os Estados Unidos voltem para o Acordo de Paris. Ele compara a situação com alguém que, depois de um jantar caro, não aparece para pagar a conta. “Estamos pagando por ele, mas esperando que ele volte com a carteira”, diz.

Devido ao clima de apreensão

Nós sabemos da nossa responsabi­lidade aqui, ainda usamos muito carvão. Mas mesmo em um país rico como a Alemanha, esses conflitos precisam ser resolvidos de maneira calma e confiável

ANGELA MERKEL Chanceler da Alemanha

Proponho que a Europa substitua a América; a França vai cumprir o desafio. Não deveríamos ter livre comércio com países menos ambiciosos que nós, pois isso reduziria nossa ambição coletiva

EMMANUEL MACRON

Presidente da França e às incertezas, alguns movimentos externos às negociaçõe­s foram frontalmen­te combatidos pelos países em desenvolvi­mento, que perceberam tentativas de retrocesso no compromiss­o das nações desenvolvi­das. PROTOCOLO DE KYOTO Durante a conferênci­a, delegações como a brasileira foram contundent­es ao exigir que os países ratificass­em nos seus parlamento­s a segunda fase do Protocolo de Kyoto. A extensão do primeiro pacto climático precisa ser aprovada para que o mundo não fique sem nenhum acordo até 2020, quando o Acordo de Paris passa a vigorar.

Embora o protocolo esteja prestes a expirar e sua aprovação tenha pouco efeito prático sobre as emissões de carbono, os países em desenvolvi­mento passaram um recado claro aos desenvolvi­dos: a diferença histórica de responsabi­lidades pelo clima prevista em Kyoto está valendo.

Ela inclui a obrigação dos desenvolvi­dos em reduzir emissões e também em financiar as ações climáticas dos países em desenvolvi­mento. Como resultado, a ONU deverá cobrar dos países a ratificaçã­o do Protocolo de Kyoto e, em 2019, um relatório comprovand­o as ações nacionais.

Outra briga que ocupou os diplomatas na COP-23 também veio de fora da agenda das negociaçõe­s: trata-se dos critérios de financiame­nto usados pelos fundos de apoio às ações climáticas, como o Fundo Verde do Clima, financiado pelos países desenvolvi­dos.

Segundo o critério do Banco Mundial, apenas países de baixa renda podem receber doações, enquanto a ajuda a países de renda média deve se dar por empréstimo. A tentativa de importar o conceito do mundo financeiro para os fundos do clima irritou os países em desenvolvi­mento.

Calculado a partir do PIB per capita, o critério do Banco Mundial permitiria apenas ao Haiti, dentre todos os países da América Latina, receber apoio financeiro para ações climáticas.

“O conceito inviabiliz­aria o cumpriment­o dos compromiss­os climáticos dos países em desenvolvi­mento”, acusou o negociador-chefe do Brasil, o embaixador Antônio Marcondes. Na quinta-feira, os países conseguira­m aprovar um documento que garante acesso ao Fundo Verde do Clima para todos os países em desenvolvi­mento.

Diplomatas de diferentes blocos considerar­am o tímido progresso em itens técnicos —como o monitorame­nto das metas de redução— suficiente para que a regulament­ação do Acordo de Paris seja concluída dentro do prazo, no ano que vem.

A presidênci­a de Fiji ainda foi considerad­a bem sucedida por conseguir avançar nas agendas sociais do Acordo de Paris, com planos sobre educação, gênero e participaç­ão dos povos indígenas no contexto das mudanças climáticas. MERKEL E MACRON Discursara­m na conferênci­a mais de 130 ministros de meio ambiente, incluindo o brasileiro, Sarney Filho, além de 25 chefes de Estado. Sem o protagonis­mo americano, as atenções dos mais de 20 mil participan­tes se voltaram para a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron. “Nós sabemos da nossa responsabi­lidade aqui, ainda usamos muito carvão”, admitiu Merkel, que desapontou o público ao não apresentar um plano para a transição energética. “Mesmo em um país rico como a Alemanha esses conflitos precisam ser resolvidos de maneira calma e confiável”, justificou.

Já o presidente francês tentou trazer otimismo para o evento climático. Anunciou que deverá cobrir a ausência de financiame­nto americano para o IPCC, o painel científico da ONU sobre mudanças climáticas, com € 2 milhões anuais. “Proponho que a Europa substitua a América e a França vai cumprir o desafio”.

Como Barack Obama fez em 2015, Macron defendeu a precificaç­ão do carbono como caminho para incentivar o mercado em direção a uma economia mais limpa. E foi além, sugerindo que a emissão de carbono seja considerad­a nos acordos de comércio internacio­nal. “Não deveríamos ter livre comércio com países menos ambiciosos que nós, pois isso reduziria nossa ambição coletiva”, provocou o francês.

 ?? Martin Meissner/AP Photo ?? Homem passa diante de escultura de um urso polar empalado, do dinarmaquê­s Jens Galschiot, exposta na conferênci­a do clima da ONU, em Bonn
Martin Meissner/AP Photo Homem passa diante de escultura de um urso polar empalado, do dinarmaquê­s Jens Galschiot, exposta na conferênci­a do clima da ONU, em Bonn

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil