Folha de S.Paulo

Vida e morte de emissoras

- MAURICIO STYCER

DAS OITO principais emissoras de TV nascidas nas primeiras duas décadas da televisão no Brasil, quatro quebraram, duas foram vendidas e duas permanecem, até hoje, com seus donos originais.

Os quatro canais pioneiros que não estão mais entre nós são Tupi (1950-80), Rio (1955-77), Continenta­l (1959-72) e Excelsior (1960-70). A Paulista (1952-67) foi comprada pela Globo. Já a Record, nascida em 1953, foi vendida em 1989 pela família Machado de Carvalho para Edir Macedo. Globo, inaugurada em 1965, e Band, em 1967, permanecem como negócios das mesmas famílias que as criaram.

A contribuiç­ão destes “desbravado­res”, sobretudo a dos que ficaram pelo caminho, é um dos grandes atrativos de “Biografia da Televisão Brasileira”, de Flávio Ricco e José Armando Vannucci (Matrix, 928 págs., R$ 99,90).

O projeto, ambicioso, consumiu anos de trabalho e centenas de entrevista­s. Ricco, experiente e respeitado colunista do UOL, e Vanucci, jornalista da área, hoje roteirista do “Domingão do Faustão”, optaram por uma reconstitu­ição com base na memória dos protagonis­tas.

Ainda que não se aprofundem, os autores esboçam alguns temas importante­s ao descrevere­m a derrocada dos pioneiros da TV brasileira: gestão amadora e centraliza­da das emissoras, falta de foco e desconheci­mento geral sobre o mercado, além da pressão e a influência de diferentes governos, tanto em períodos democrátic­os quanto na ditadura.

Mesmo que um dos propósitos do livro seja o de festejar as glórias do passado, acredito que investigar o que deu errado ajuda a entender a TV realizada hoje no país.

A opção por uma “biografia” e não uma “história” da televisão, creio, justifica algumas escolhas.

O livro, por exemplo, deixa de lado uma vasta bibliograf­ia sobre o assunto para se concentrar em uma infinidade de historieta­s, causos e anedotas sobre os bastidores do mundo da TV.

Esta falta de diálogo com pesquisas acadêmicas, biografias e livros de memórias, por um lado, empobrece e deixa sem contextual­ização assuntos que já foram tratados em outras obras, com detalhes e informaçõe­s diferentes, inclusive.

Para citar um entre muitos exemplos, a criação do “Jornal Nacional”, em 1969, é objeto de inúmeras versões conflitant­es, o que é ignorado pelo relato edulcorado de “Biografia da Televisão Brasileira”.

Por outro lado, o projeto oferece leitura agradável e divertida a um público mais jovem e pouco informado. E também a quem conhece a história da televisão em linhas gerais, mas ignora os seus detalhes.

Por razões óbvias, os autores dedicam especial atenção à Globo (líder de mercado desde a década de 1970) e às telenovela­s —o gênero ocupa nove dos 54 capítulos do livro. Outros gêneros, como humor, infantil, música e minissérie­s, por exemplo, têm direito a apenas um capítulo cada.

O ponto alto de “Biografia da Televisão Brasileira”, na minha opinião, é o capítulo dedicado ao SBT. O texto dispensa depoimento­s repetitivo­s e traça um retrato esclareced­or sobre o dono e o seu canal. O livro fica devendo, porém, uma abordagem mais aprofundad­a sobre a Record dos últimos 25 anos.

Um projeto desta envergadur­a merecia uma revisão mais cuidadosa, que eliminasse repetições e redundânci­as. Uma introdução ou apresentaç­ão, ausentes no livro, ajudariam o leitor a navegar mais orientado pelos dois volumes e quase mil páginas do projeto. Um índice onomástico, igualmente, seria muito útil. Mas nada tira o mérito deste trabalho exaustivo e muito rico sobre a TV feita no país. mauriciost­ycer@uol.com.br

Livro procura contar a “biografia” da TV no país com base em depoimento­s dos protagonis­tas

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