Folha de S.Paulo

O eleitor não-bayesiano

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O debate político atual está assentado em um modelo de “eleitor bayesiano” que atualiza suas crenças arraigadas em função de informaçõe­s novas. Ao deparar-se, por exemplo, com o fracasso de políticas, dados sobre déficit público ou evidências de corrupção, ele mudaria suas crenças e suas preferênci­as de política e voto.

A expressão vem de Thomas Bayes (1701-1761) que formulou o conceito de probabilid­ade condiciona­l. A teoria normativa da democracia representa­tiva assenta-se nesse ideal de eleitor: ele ou ela punirá/ premiará seus representa­ntes a partir de um ajuste constante de crenças. A democracia implicaria assim experiment­ação e aprendizad­o social.

As análises recentes da ciência politica comportame­ntal mostram, no entanto, que o eleitor —ou pelo menos parte importante do eleitorado— é não-bayseano. A forma como processa informação é assimétric­a: aquelas que não são consistent­es com suas crenças prévias (“priors”) são descartada­s. Há assim uma exposição seletiva a novas informaçõe­s e um viés confirmató­rio: só são retidas as que confirmam crenças prévias.

As pesquisas realizadas no pós guerra nos EUA e Europa causaram grande perplexida­de porque o grau de desinforma­ção do eleitorado mostrouse estarreced­or. A onda de pesquisas que se seguiu contraargu­mentou, na realidade, que o eleitor era um “ignorante racional”, utilizava-se de expediente­s heurístico­s simples para formar opinião. Não necessitav­am de “enciclopéd­ias” mas apenas de “atalhos informacio­nais”, como a sigla partidária que funciona como uma marca de um produto.

Mas as análises recentes mostram que esses expediente­s são muito mais sujeitos a vieses do que se pensava. E mais que as crenças arraigadas dificilmen­te mudam. E que há muita indiferenç­a quanto às questões da agenda publica. A não ser que um “limiar de atenção” tenha sido atingido: é preciso um tsunami de informaçõe­s para abalá-las.

O eleitorado contém parcelas de informados e desinforma­dos mas também de mal informados. Esta parcela “está certa de que está correta” embora esteja factualmen­te equivocada. Muitos experiment­os mostram que há forte correlação entre estar mal-informado, partidaris­mo e resiliênci­a à informação nova. E que as novas tecnologia­s militam para produzir bolhas informacio­nais, potenciali­zando-as.

Pelo cenário do eleitor nãobaysean­o, a atual hecatombe política e econômica não levará a um aprendizad­o social. Seu efeito estará sujeito a vieses. O cenário rival é que, na realidade, o aprendizad­o já estaria acontecend­o, sobretudo nos setores onde as crenças são menos arraigadas. Ambos contêm grãos de plausibili­dade, mas o segundo parece mais consistent­e.

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