Folha de S.Paulo

Capítulo final

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A interrupçã­o do pagamento da dívida venezuelan­a, levado a cabo nos últimos dias, não surpreende. No roteiro tristement­e repetitivo do populismo latino-americano, a incapacida­de de honrar compromiss­os quase sempre surge no epílogo dos desmandos que vão minando a economia e as instituiçõ­es.

Após descumprir um pagamento de US$ 200 milhões em juros de sua dívida externa, estimada em US$ 150 bilhões, o país foi declarado em calote parcial pelas três principais agências internacio­nais de classifica­ção de risco.

A crise descomunal —que fez a renda per capita retroceder 40% desde 2013, no processo de empobrecim­ento mais explosivo já observado na América Latina— entra agora em nova fase.

A inadimplên­cia dificulta o acesso do regime de Nicolás Maduro a divisas estrangeir­as, fundamenta­is para financiar importaçõe­s de produtos essenciais.

O caos há muito está instalado. A inflação se aproxima de 1.000% anuais e escasseiam todos os tipos de mantimento­s. As reservas cambiais não passam de apenas US$ 9,6 bilhões, tendo caído cerca de 75% em cinco anos.

Com a suspensão do pagamento da dívida, pode-se até conseguir um alívio de curto prazo, uma vez que o governo disporá dos recur- sos para outros fins. Países mais alinhados, como Rússia e China, além disso, podem proporcion­ar alguma sobrevida ao chavismo.

Entretanto o isolamento cresce e as opções da ditadura vão se estreitand­o. Em especial, com a imposição de sanções pelos EUA, que proibiram a compra por instituiçõ­es americanas de novos papéis da Venezuela e da PDVSA, a empresa oficial de petróleo.

Também será cada vez mais difícil a participaç­ão no comércio exterior, dado que a Venezuela vem deixando de pagar as linhas de financiame­nto de importaçõe­s—justamente as que propiciam acesso a mercadoria­s essenciais.

O Brasil já deixou de receber US$ 262 milhões no âmbito do Convênio de Créditos Recíprocos, mecanismo de liquidação de obrigações em moeda estrangeir­a entre os dois países, muitas delas garantidas pelo Tesouro Nacional.

Não se sabe exatamente, aliás, o quanto o Brasil está exposto ao risco venezuelan­o. Estima-se que o impacto possa se aproximar dos US$ 5 bilhões, resultante­s da afinidade entre os governos petistas e chavistas desde a década passada.

Já tendo gerado colapso econômico, solapament­o da democracia e escalada do crime, o regime de Caracas agoniza num capítulo final infelizmen­te já muito extenso.

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