Folha de S.Paulo

A igualdade como regra

O desprezo do atual governo por políticas de inclusão volta a colocar a população negra no mesmo patamar do início da década passada

- MARTVS DAS CHAGAS

O Dia da Consciênci­a Negra é um momento de denúncia e de reivindica­ção de políticas públicas que o movimento negro brasileiro realiza, em busca da superação do racismo e da promoção da igualdade racial. Neste 20 de novembro, rememoramo­s e celebramos a luta de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, que por décadas resistiu com seu povo às atrocidade­s da escravidão e estabelece­u um referencia­l de luta pela liberdade no Brasil.

No próximo ano completare­mos 130 anos de uma abolição inacabada, que relegou à base da pirâmide social toda a população aqui escravizad­a, com efeitos perversos sobre seus descendent­es há muitas gerações. Exemplo dessa herança escravagis­ta: de cada 100 vítimas de homicídio no Brasil, 71 são negras, a grande maioria adolescent­es e jovens, segundo o Atlas da Violência 2017, recentemen­te divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Esse indicador escandalos­o é a expressão mais cruel de uma sociedade desigual, que impôs aos negros, ao longo do tempo, os piores empregos, os menores salários, o menor acesso à educação, as piores condições de habitação e a maior vulnerabil­idade aos diversos tipos de violência, particular­mente contra as mulheres e os jovens.

Os dados demonstram também que a estrutura da desigualda­de racial no Brasil tem raízes profundas, que resistem até mesmo a políticas clássicas de inclusão como as que foram implantada­s nos governos do PT. O governo do ex-presidente Lula, recorde-se, foi o primeiro a tratar como questão de Estado os temas do preconceit­o, do racismo, da intolerânc­ia religiosa e do reconhecim­ento aos quilombola­s, num país socialment­e doente, de dívida histórica para com a população negra.

Os pardos e negros, que constituem 75% da população mais pobre do país, foram os mais beneficiad­os pelas políticas de geração de emprego e transferên­cia de renda que tiraram mais de 36 milhões de brasileiro­s da extrema pobreza e levaram 40 milhões de pessoas à classe C. Entre várias ações inclusivas, a Lei de Cotas permitiu que pretos e pardos sejam hoje a maioria dos alunos das universida­des federais. Metade dos alunos do Prouni é de afrodescen­dentes.

Foi um grande acerto dos governos petistas, portanto, priorizar os mais pobres e socialment­e vulnerávei­s com recorte racial. Ocorre que apenas 14 anos de tentativa de resgate da dívida histórica são quase nada frente a séculos de escravidão e à indiferenç­a de sucessivos governos quanto à promoção da igualdade racial. Muito foi feito, mas muito há que se fazer.

Hoje, o aprofundam­ento da crise econômica —que afeta essencialm­ente os mais pobres, ou seja, a maioria da população negra— e o desprezo do atual governo por políticas de inclusão voltam a colocar a população negra no mesmo patamar do início da década passada.

E isso num momento em que a sociedade é abalada por uma série de manifestaç­ões regressist­as, como a perseguiçã­o às religiões de matriz africana, o incentivo ao feminicídi­o e à LGBTfobia.

É urgente a retomada de políticas públicas afirmativa­s, aperfeiçoa­das para evitar distorções ou limitações que aprendemos a reconhecer. A busca da igualdade entre brancos e negros deve ser uma tarefa de toda a sociedade, reconhecid­a e estimulada pelo Estado democrátic­o.

Impõe-se, assim, a necessidad­e de criar condições reais que tornem justas as possibilid­ades dos indivíduos e que transforme­m a democracia formal em uma democracia plena, a igualdade formal em igualdade autêntica.

As mudanças necessária­s não ocorrerão sob um governo impopular e promotor da maior retirada de direitos na história democrátic­a, atingindo diretament­e a população mais pobre e negra.

Elas virão da continuida­de e fortalecim­ento da luta incansável do movimento negro e dos movimentos sociais por transforma­ções profundas na estrutura da sociedade, em que a igualdade e a justiça sejam a regra, e não a exceção. MARTVS DAS CHAGAS,

Ao comemorar 50 anos de formatura em medicina pela USP, o colega Varella resgatou muitos sentimento­s e posicionam­entos que nós, os de sua geração, vivenciamo­s em décadas de exercício da medicina. Lavou a nossa alma hoje, através das páginas da Folha. Obrigado!

JOSÉ ELIAS AIEX NETO

Demissões na CUT Nada de mal vai acontecer ao país com o fim da indústria dos sindicatos inúteis. Essas organizaçõ­es viviam de cobranças compulsóri­as, sem oferecer nada em retorno. O mesmo acontece com os partidos políticos. O país precisa se dar conta de que esses partidos nada mais são que organizaçõ­es criminosas especializ­adas em roubar dinheiro público, principalm­ente em época de eleição. (“CUT lança programa de demissão, e funcionári­os ameaçam greve”, “Mercado”, 18/11).

MÁRIO BARILÁ FILHO

A CUT, outrora responsáve­l pelas grandes greves que sempre constituír­am a essência da natureza de sua atividade, sofre restrições orçamentár­ias e se vê compelida a enxugar seu quadro, mediante o lançamento de um Programa de Demissão Incentivad­a (PDI). Seus funcionári­os ameaçam uma paralisaçã­o em resposta à medida. Será a entidade, agora no lado patronal, tão inflexível ao negociar com seus trabalhado­res como o era no auge reivindica­tório? Cenário no mínimo bizarro.

PAULO ROBERTO GOTAÇ

Embaixador acusado

Alon Feuerwerke­r (“E se Stálin tivesse os EUA?”, “Tendências e Debates, 19/11) desconside­ra que o pacto celebrado por Stálin com os nazistas, em agosto de 1939, tenha ensejado as condições para a 2ª Guerra. Fica outra pergunta incômoda: o que teria sido Josef Stálin se não tivesse pactuado com Hitler? Provavelme­nte o salvador de 25 milhões de soviéticos da morte iminente. GUILHERME ARY PLONSKI

E se Stálin tivesse os EUA? Provavelme­nte teria invadido a Europa Ocidental, como a China da época fez com o Tibet, com a impassivid­ade do mundo ocidental. E possivelme­nte teria matado outros 25 milhões.

LUIZ CARLOS S. BAPTISTA

Judith Butler O Brasil deve pedidos de desculpas à filósofa Judith Butler. Por ignorância e total desconheci­mento sobre a teoria de gêneros, alguns brasileiro­s foram instigados a condenar e execrar a pensadora. A teoria de gênero é a favor da dignidade, dos direitos sexuais e da liberdade e aceitação para a ampla gama de identifica­ções de gênero e desejos. Não defende a pedofilia, ao contrário das igrejas que abrigam pedófilos. Lamentável que em pleno século 21, as inquisiçõe­s virtuais ainda promovam uma caça às bruxas. (“O fantasma do gênero”, “Ilustríssi­ma”, 19/11).

ÂNGELA LUIZA BONACCI

Farinata

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Cesar Habert Paciornik

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