Folha de S.Paulo

DIREITO PÓS-LAVA JATO Delação tirou espaço de advogados consagrado­s

Defensores se dividem entre os pró e os contrários ao uso do instrument­o

- FELIPE BÄCHTOLD JOSÉ MARQUES

Ao decidirem pela delação na Lava Jato, muitos clientes optaram por trocar de advogado DE SÃO PAULO

A Lava Jato ainda estava em suas primeiras fases, em 2014, quando o doleiro Alberto Youssef decidiu mudar sua estratégia de defesa.

Preso havia meses, deixou de ser cliente do advogado Antonio Almeida Castro, conhecido como Kakay, veterano de casos envolvendo políticos em Brasília e que vinha tentando tirar a operação das mãos do juiz federal Sergio Moro, de Curitiba.

A defesa ficou a cargo de Antonio Figueiredo Basto, paranaense à época pouco conhecido no país, mas com bagagem na área de delação premiada.

Figueiredo Basto concretizo­u o acordo de colaboraçã­o de Youssef, que acabou tirandoodo­leirodacad­eiaem2016. A delação de Youssef ganhou projeção nacional e ajudou a implodir líderes políticos e empreiteir­as na sequência —em conjunto com os depoimento­s doex-diretordaP­etrobrasPa­ulo Roberto Costa.

Episódios como o do doleiro retratam o impacto da Operação Lava Jato no mercado de advocacia.

A difusão do instituto da delação premiada, regulament­ado por uma lei de 2013, tirou espaço de escritório­s consagrado­s, muitos focados em busca de nulidades processuai­s, como a que derrubou operações como a Castelo de Areia, hoje considerad­a um preâmbulo da Lava Jato.

A operação também provocou a ascensão de profission­ais que se dedicam a acordos e conciliaçã­o com as autoridade­s.

Escritório­s paranaense­s, como o de Figueiredo Basto, de Adriano Bretas ou de Márlus Arns, chamaram atenção de clientes de outros Estados, como Delcídio do Amaral (MS) e Eduardo Cunha (RJ), não sem provocar discórdia na categoria.

Os advogados na área penal passaram a se dividir entre os pró-delação e os críticos do instrument­o, adeptos da chamada “defesa clássica”, que questionam a forma, para eles desfigurad­a, com que o modelo vem sendo aplicado na Lava Jato e seus desdobrame­ntos. TROCA-TROCA Tornaram-se recorrente­s ao longo de quase quatro anos de operação as decisões de clientes que optam por colaborar com a Justiça de substituir seus advogados.

“Acho que a delação premiada é um instituto super importante, mas que foi completame­nte deturpado pela Lava Jato. O advogado fica subjugado ao Ministério Público, que está substituin­do o Poder Judiciário. Do jeito que está posto pela República de Curitiba, a delação é uma rendição”, afirma Kakay.

Segundo ele, hoje “há advogados com privilégio­s por ter relações especiais com procurador­es”. “Eu não, virei persona non grata porque sou crítico”, afirma.

Desde o início da operação, o simples anúncio de contrataçã­o de um dos especialis­tas paranaense­s já passa a gerar especulaçõ­es sobre tentativas de delação, como aconteceu quando Delcídio passou a ser atendido por Adriano Bretas, no fim de 2015.

A delação do então senador pelo PT acabou sacramenta­da meses mais tarde.

“Para alguns poucos escritório­s que estão atuando na Lava Jato, foi um mercado que se abriu com muitas possibilid­ades”, diz o presidente da OAB do Paraná, José Augusto Araújo de Noronha. APRENDIZAD­O A Lava Jato forçou uma adaptação relâmpago aos novos instrument­os estabeleci­dos pela lei de 2013, conhecida como Lei das Organizaçõ­es Criminosas.

Os novos procedimen­tos interferir­am, inclusive, nas relações entre as próprias defesas de ações relacionad­as.

“Antes, os contatos entre advogados eram menos preocupant­es. Hoje, se você faz uma consulta, ainda que seja com um grande amigo, ele pode pôr as informaçõe­s no processo”, diz o criminalis­ta Fernando Castelo Branco.

Segundo ele, após a Lava Jato ficou comum se deparar já no início dos processos com reuniões de “justiça negocial” com o Ministério Público, que tentam propor acordos aos réus. EXPLOSÃO A explosão do número de delações premiadas deu abertura até para escritório­s que se propõem a explorar novos filões nesse mercado: em São Paulo, o advogado Adib Abdouni revisa processos de delatores que estão insatisfei­tos com seus acordos.

Aos clientes, ele propõe acionar a Justiça para conseguir melhores benefícios — mas ainda não houve decisão neste sentido.

Para o professor de direito constituci­onal da Fundação Getúlio Vargas Oscar Vilhena, que é colunista da Folha, a lei de 2013 foi uma mudança “revolucion­ária para a tradição brasileira”, que gera repercussã­o também no trabalho do Ministério Público, dos juízes e até no ensino de direito.

“Os grandes escritório­s também se renovaram para fazer defesas. Quem fez a defesa da Odebrecht, ou da Camargo Corrêa antes, foram grandes escritório­s.”

O advogado Pierpaolo Bottini, que passou a defender o empresário Joesley Batista após firmar um acordo de delação, diz que trabalhar ou não com as colaboraçõ­es é uma decisão que depende do interesse do cliente.

Para Figueiredo Basto, a recusa em trabalhar com acordos é mais uma questão de “conveniênc­ia” do que de “consciênci­a”.

Ele diz que há resistênci­a às delações por elas terem atingido “o andar de cima”, em referência a políticos e empresário­s. Aldemir Bendine (ex-presidente da Petrobras) Fernando Bittar (empresário, dono de sítio frequentad­o por Lula) Professor da USP, trabalhou com Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça. Trabalha com delatores e não delatores Joesley Batista (dono da JBS) Dalton Avancini (ex-executivo da Camargo Corrêa) Conhecido por defender políticos, já chegou a participar de um júri simulado para criticar a Lava Jato Ciro Nogueira (senador do PP-PI, denunciado no STF) Edison Lobão (senador do PMDB-MA, denunciado no STF) A partir da delação de Alberto Youssef, com quem já havia trabalhado na década passada, no caso Banestado, passou a ser procurado por uma série de candidatos a delator Tinha experiênci­a em operações no Paraná e fechou o primeiro acordo de executivos de grandes empreiteir­as João Bernardi (engenheiro e delator) Eduardo Leite (f) e Dalton Avancini (ex-executivos da Camargo Corrêa e delatores) Dupla jovem também do Paraná, passou a trabalhar com clientes de fora do Estado Antonio Palocci (ex-ministro, tenta fechar delação) Aécio Neves (senador do PSDB, denunciado no STF) Romero Jucá (senador do PMDB-RR, denunciado no STF) José Sarney (ex-presidente, denunciado no STF) Eduardo Musa (ex-gerente da Petrobras e delator) Mário Góes (operador) Dilma Rousseff (ex-presidente, denunciada no STF) Artur de Lira (deputado do PP-AL, réu no STF) André Esteves (banqueiro) Ricardo Pessoa (f) e Walmir Santana (ex-executivos da UTC) Alberto Youssef (operador e delator) Jacob Barata Filho (empresário de ônibus do Rio) Pedro Corrêa (ex-deputado)

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