Folha de S.Paulo

Sadat e os sauditas, 40 anos depois

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Mathias Alencastro; quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi

HÁ EXATOS quarenta anos, em 20 de novembro de 1977, o presidente egípcio, Anuar Sadat, protagoniz­ou cena histórica. Discursou no Knesset (Parlamento israelense), reconheceu Israel e levou o Egito, no ano seguinte, à condição de o primeiro país árabe a assinar um acordo de paz com o Estado judeu.

“Já anunciei em mais de uma ocasião que Israel se tornou um fait accompli, reconhecid­o pelo mundo”, declarou Sadat. “Como nós realmente e verdadeira­mente buscamos a paz, nós realmente e verdadeira­mente lhes damos as boas-vindas, para viver entre nós em paz e segurança”, prosseguiu. Na plateia israelense, deputados, militares e o primeiro-ministro, Menachem Beguin, do Likud (direita).

Sadat, em anos tensos da bipolarida­de EUA-URSS, gerou sismos geopolític­os. Após a derrota na Guer- ra do Yom Kipur, em 1973, abandonou aliança com Moscou e o chamado “campo anti-imperialis­ta” para se aproximar de Washington e de Israel, de olho em vantagens estratégic­as, como afastar o fantasma de conflitos armados, e em ajuda financeira da Casa Branca, até hoje a engordar a máquina militar egípcia.

À época, Sadat fez análise correta dos rumos da Guerra Fria e compreende­u a dianteira norte-americana. Ganhou o Nobel da Paz, com Beguin, em 1978. Mas, no mundo árabe, enfrentou isolamento diplomátic­o, desfeito apenas em meados da década seguinte. E, em 1981, um ataque terrorista perpetrado por fundamenta­listas egípcios matou Sadat.

Desde então, o Egito mantém o tratado de paz com o país vizinho, embora sejam tíbios os laços construído­s com israelense­s, em quatro décadas, nos campos econômico e social. E coube à Jordânia, em 1994, tornar-se o segundo país árabe a reconhecer Israel.

As iniciativa­s egípcia e jordaniana contribuír­am para empanar a resolução de Cartum, aprovada em reunião da Liga Árabe, em 1967, e conhecida como a “decisão dos três nãos: não à paz com Israel, não ao reconhecim­ento de Israel, não a negociaçõe­s com Israel”.

No entanto, quarenta anos depois, o regime teocrático do Irã e seus aliados, como o libanês Hizbullah e o palestino Hamas (que hoje também negocia com o Egito), ainda alimentam o rejeicioni­smo, sabotando condições para um amplo diálogo regional e fortalecen­do, em Israel, o discurso de partidos refra- tários a negociaçõe­s na questão israelo-palestina.

O rejeicioni­smo, porém, parece prestes a levar mais um golpe. Embalada pela rivalidade regional com o Irã, a Arábia Saudita se aproxima de Israel, em movimento acelerado após a chegada de Donald Trump à Casa Branca. O presidente norteameri­cano se gaba dos vínculos políticos e econômicos cultivados com israelense­s e sauditas.

O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, em terras sauditas, anuncia reformas, acumula poder e sinaliza disposição para apostar num eventual acordo de paz com Israel. Se a ousada estratégia resultar em segurança para israelense­s e em soberania para palestinos, será a conquista de um cenário há muito tempo desejado. E que pode acontecer, apesar de todo o ceticismo acumulado ao longo do tempo.

Após quatro décadas, príncipe herdeiro pode repetir iniciativa de paz de presidente egípcio

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