Folha de S.Paulo

Eu recebi oficialmen­te ajuda dessa empreiteir­a. Tem oficial e eu que pedi. Era a regra da eleição brasileira.

- RANIER BRAGON

DE BRASÍLIA

Confirmada oficialmen­te neste fim de semana como pré-candidata à Presidênci­a, a deputada estadual Manuela D’Ávila (PC do B-RS), 36, elenca como um dos principais eixos de sua campanha a questão da violência.

Coincidênc­ia ou não, tema ligado ao concorrent­e que gravita no campo político oposto ao seu, Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Ela diz que as propostas do rival se resumem a “jargões de internet”. E defende a candidatur­a de Lula (PT).

Para Manuela, o juiz Sergio Moro o condenou sem “nenhuma prova”. Ela lista ainda algumas de suas propostas na economia —elevação do investimen­to público e controle de juros e câmbio. Folha - O PC do B nunca teve candidato a presidente no atual período democrátic­o, é o 14º partido na Câmara, governa apenas um Estado e terá tempo mínimo na TV. Acha que tem chance de vencer?

Manuela D’Ávila - Acho que sim, sobretudo em um momento de crise política e econômica tão aguda, o que pode fazer com que as pessoas escolham nossa candidatur­a.

Temos dois grandes centros. O primeiro é a retomada do cresciment­o econômico. O outro é a ideia da unidade. Vivemos um período em que a ideia de viver em paz é algo tão importante quanto o controle da inflação foi no início da década de 1990.

Não é só viver em segurança, é viver sem todos os tipos de violência, com qualidade na escola. É ter trabalho. Em caso de vitória, o que faria de diferente em relação aos anos do PT?

Participam­os daquelas experiênci­as, elas construíra­m muitas transforma­ções no Brasil e a gente tem orgulho disso. Mas não existe como pensar repetir em 2019 algo que começou em 2002. Tivemos entre 2002 e 2019 dez anos de uma das maiores crises da economia no mundo.

O tema da indústria 4.0, por exemplo, é algo diferente. Podemos nesse novo ciclo pensar na indústria de uma outra forma, mais ousada. Tudo que junta emprego de mais qualidade, inovação.

Também trabalhari­a com mais centralida­de o tema da violência urbana e a ideia de que é preciso garantir paz para as pessoas trabalhare­m, estudarem e pensarem suas vidas.

Caso Lula seja condenado em segunda instância, a sra. defende que seja aberta uma exceção para que ele possa se candidatar?

Eu defendo que o presidente Lula receba o tratamento que defendo para todos os brasileiro­s. Que as pessoas só sejam condenadas quando provas forem apresentad­as. Todo o processo de julgamento dele é construído com uma base não sólida. Não há nenhuma prova. A sra. acha que a sentença do juiz Moro foi equivocada?

Não há provas. Não sei o que vai acontecer lá [na segunda instância] e não gostaria de comentar o futuro. O que acho é que a eleição sem o Lula seria um episódio de agravament­o da crise política. Descarta abandonar a sua candidatur­a para fazer uma aliança com o PT, como vice?

Não descarto absolutame­nte nada, em nenhuma dimensão da minha vida. Aprendi que precisamos estar abertos às possibilid­ades. Isso significa que minha candidatur­a não é para valer? Não. Minha candidatur­a foi construída porque acreditamo­s que temos saídas para o Brasil. Aceitaria apoio dos que trabalhara­m pelo impeachmen­t de Dilma?

Em 2018 é o momento de debatermos o futuro do Brasil. Meu partido tem muito claro que ocorreu um golpe em 2016. Não só pelo impeachmen­t, mas porque o programa que venceu as eleições foi rasgado. Mas não podemos viver eternament­e amarrados a 2016, o Brasil vive uma crise severa. Embora diga não ter tratado diretament­e com a sra., um dos delatores da Odebrecht diz ter repassado valores para campanhas suas, “de maneira oficial e não oficial”. A sra. os solicitou? Ele pediu alguma forma de contrapart­ida?

Não, tanto que nem está no âmbito da Operação Lava Jato, está no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Não teria o que pedir e não pediria. Pretende ser a candidata antagonist­a a Jair Bolsonaro?

Todos os candidatos com propostas democrátic­as para o Brasil e saídas para a crise são antagônico­s às candidatur­as que não apresentam saídas para a crise. Existem pessoas que tentam aglutinar sentimento­s que precisamos superar nas eleições, sobretudo medo e ódio. Fomentar medo e ódio no povo brasileiro não resolverá os problemas que vivemos.

Achoque temos outraspaut­as para tratar no país diferentes das que ele [Bolsonaro] sugere. Eu quero debater segurança pública de verdade. Com reflexões sobre o papel dos policiais, como eles po- dem ser valorizado­s, como podemos devolver a legitimida­de das polícias para o povo mais pobre, como podemos combater o extermínio de jovens negros. E a gente não vai fazer isso repetindo jargão de internet, né? A sra. propõe referendos sobre a reforma trabalhist­a e a proposta que congelou os gastos federais. O Congresso não represento­u a vontade popular nesses casos?

São matérias relevantes para serem discutidas como foram, sem um mínimo pacto com a população. Não fizeram parte de nenhum programa de governo. Surgiram em um governo sem legitimida­de. Qual será a política econômica de um eventual governo do PC do B?

Queremos discutir juros, câmbio, planos de obras públicas. O Brasil tem a tradição de baixos investimen­tos privados. Então o investimen­to público, o Estado como indutor da economia, é algo que historicam­ente ocorreu nos nossos melhores ciclos econômicos. Juros mais baixos, uma espécie de câmbio controlado. Achamos hoje que os juros e os câmbios não servem ao interesse do povo brasileiro.

A sra. defende alguma mudança na legislação do aborto, trataria de homofobia?

Defendo que o aborto seja tratado como um problema de saúde pública, é a segunda causa de morte materna.

Sobre a homofobia, precisamos criminaliz­ar aquilo que é crime. Mas não acredito que a mera criminaliz­ação resolva, precisamos implementa­r políticas públicas de transforma­ção da cultura. Mas haverá um embate com a bancada religiosa.

Não acho. Existem representa­ções que são mais radicaliza­das do que a base. Acho que o povo evangélico, povo cristão, minha origem é cristã, é um povo que acredita no amor ao próximo.

É o povo que tem como ensinament­o máximo a ideia de Cristo com Maria Madalena. Cristo é o homem que acolheu Maria Madalena, o que impediu que as pedras fossem jogadas. Que lições a sra. tira da Revolução Russa?

Como militante do PC do B, a principal lição é a ideia de que não existem modelos para serem seguidos de uma nação para outra.

A Revolução Russa marcou o século passado, é a revolução das artes, da psicologia, dos satélites, pôs fim ao nazifascis­mo, os russos não jogaram a bomba atômica. E Stálin, os expurgos?

Eu acho sempre algo artificial debater um país sem debater o mundo. Debater o que foi o stalinismo é debater o que foi o nazismo, o que foram Hiroshima e Nagasaki.

Era um mundo de guerras, era um mundo de mortes. E é esse mundo que nós não queremos que volte. Hoje só cinco países se declaram comunistas. A sra. se espelha em alguns deles?

Eu não me espelho, mas a China hoje é o motor da economia do mundo. Não é espelho, não é modelo, mas acho que temos sempre que buscar referência­s de transforma­ções positivas. Mas direitos humanos lá seriam uma referência?

Direitos humanos são um problema do mundo hoje. Como é que vive todo o Oriente Médio sobre as guerras? Como é que tratam os refugiados na Europa?

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